A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) colocou em pauta nacional um modelo de acesso ao ensino superior ao anunciar, em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), um curso especial de Medicina voltada a assentados da reforma agrária, quilombolas e educadores do campo.
A iniciativa, construída no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), rapidamente ganhou relevância pública.
Por um lado, porque propõe um formato inédito de inclusão educacional; por outro, porque passou a ser alvo de disputas judiciais que reabriram debates sobre equidade, políticas públicas e autonomia universitária.
Como surgiu o curso de Medicina da UFPE para assentados e quilombolas?
Para entender melhor a proposta, primeiro é importante saber o que é o Pronera. O programa foi criado para garantir o acesso à educação formal às famílias que vivem nos assentamentos da reforma agrária e em outras comunidades do campo.
O Pronera é coordenado pelo Incra e funciona em parceria com universidades públicas. O principal objetivo é diminuir as dificuldades históricas de acesso à educação no meio rural, provocadas pela distância das escolas, pela falta de renda e pela ausência de oferta educacional adequada nas áreas do campo.
Sobre o curso
Com base nesse programa, a UFPE criou uma turma de Medicina no Centro Acadêmico do Agreste (CAA), localizado em Caruaru. Essa turma foi pensada para incluir grupos que normalmente têm pouca presença na carreira médica, como pessoas assentadas da reforma agrária, integrantes de comunidades quilombolas e educadores do campo.
De forma geral, o edital definiu critérios de participação que exigiam comprovação por documentos, como certificados de assentamento, comprovação de vínculo com comunidades quilombolas ou atuação como educador do campo.
Além disso, a seleção dos estudantes não foi feita pelo Sisu, mas sim por um processo seletivo próprio, já que se trata de uma turma especial do Pronera.

Polêmicas e judicializações
À medida que o edital foi sendo implementado, parlamentares e entidades médicas passaram a questionar sua legalidade na Justiça. No dia 22 de setembro, doze dias após o lançamento do edital, entidades médicas (Cremepe, Simepe, AMPE e Academia Pernambucana de Medicina) publicaram uma nota conjunta se manifestando contra a forma como o processo seletivo estava sendo conduzido.
De acordo com as Instituições, o fato de a UFPE adotar um processo seletivo exclusivo, sem utilizar o Enem ou o Sisu, representa uma possível violação aos princípios da isonomia e do acesso universal à educação superior. Além disso, as entidades alegam que essa medida pode “comprometer a credibilidade acadêmica e representar um precedente grave e perigoso para a educação médica no Brasil”.
No mesmo dia da manifestação das instituições médicas, o vereador Tadeu Calheiros (MDB) criticou o edital e anunciou que entraria com uma ação judicial para que a UFPE revisse ou invalidasse o edital. Ação essa que foi deferida pelo juiz federal Ubiratan de Couto Maurício no dia 30 de setembro.
Porém, no dia 7 de outubro, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) derrubou a liminar e autorizou a retomada do processo seletivo. O desembargador do TRF5, Fernando Braga Damasceno, afirmou que não seria justo exigir que candidatos assentados da reforma agrária disputem vagas pelo Enem nas mesmas condições de estudantes que têm acesso às melhores estruturas.
Um dia depois, uma liminar da 9ª Vara Federal suspendeu o edital novamente, em ação proposta pelo vereador Thiago Medina (PL) que argumentou que o edital estabelecia um processo seletivo “precário e desproporcional”.
No entanto, no dia 10 de outubro, pela segunda vez em menos de uma semana, o TRF5 invalidou a suspensão emitida pela 9ª Vara e obteve decisão favorável para a continuidade do processo seletivo da UFPE.
O que diz a UFPE?
Em esclarecimento ao portal Melhores Escolas Médicas, a UFPE informou que as vagas disponibilizadas pelo edital são suplementares, ou seja, não alteram a quantidade de vagas já oferecidas pelo Sisu. De acordo com a universidade, os candidatos que participam do processo seletivo tradicional não são prejudicados.
“A criação desta turma especial não interfere na distribuição regular de vagas da universidade que já existe fluxo de funcionamento definido na instituição via Sisu“, destacou a universidade em nota.
Além disso, em entrevista ao podcast PodJá – Podcast do Jamildo, o reitor da UFPE, Alfredo Gomes, defendeu a criação do curso, classificando a iniciativa como uma ação importante para a inclusão e reparação social.
Alfredo rebateu as críticas de políticos que considerou “oportunistas“. Na entrevista, o reitor afirmou que “o programa é destinado a um grupo bem mais amplo do que aqueles que vêm a público, de forma oportunista e às vezes com desinformação”.

Além disso, Alfredo também contextualizou a iniciativa como uma forma de enfrentar uma dificuldade estrutural do país. “Existe um problema histórico no Brasil e a gente está rompendo também com essa lógica de distribuição e de formação do pessoal”.
Por fim, a UFPE reforçou que o processo é transparente e segue as normas do Pronera e da legislação educacional. Com recursos do Incra, a universidade realiza a seleção em parceria com o programa, garantindo inclusão e acesso democrático ao ensino superior de forma justa para todos os candidatos.
Situação atual e próximos passos
Na última quinta-feira, 30 de outubro, o processo foi suspenso pela 3ª vez, em ação popular movida pelo ex-diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz Cavalcanti. Porém, um dia depois, a liminar foi derrubada mais uma vez, permitindo a continuidade do processo seletivo.
Neste último domingo (2), cerca de 500 candidatos realizaram a segunda etapa do processo seletivo. A princípio a prova estava prevista para o dia 5 de outubro, porém precisou ser adiada devido ao embate judicial.
Por enquanto, segundo as decisões judiciais divulgadas, o processo seletivo da UFPE pode continuar, mas isso não é uma decisão final sobre o caso. Portanto, é importante acompanhar os comunicados oficiais da universidade e da Justiça Federal para saber as próximas etapas.
Além da disputa
Mesmo sem saber qual será a decisão final da Justiça, a abertura de vagas no curso de Medicina da UFPE para assentados e quilombolas levanta uma questão importante: como conciliar o direito à educação, a inclusão social, a autonomia das universidades públicas e a responsabilidade do Estado na formação de médicos?
Além disso, esse debate precisa ser conduzido com informação precisa e respeito às regras, garantindo que qualquer inovação educacional seja feita com transparência e dentro da lei.
Confira a linha do tempo sobre o caso UFPE
O portal Melhores Escolas Médicas criou uma linha do tempo com os principais acontecimentos sobre o curso de Medicina da UFPE voltado a assentados e quilombolas. Confira a linha do tempo abaixo:
10 de setembro
- A UFPE publica o edital com vagas exclusivas para beneficiários do Pronera, em parceria com o Incra.
10 a 20 de setembro
- Período de inscrições para o processo seletivo
22 de setembro
- Entidades médicas emitem nota conjunta contra o edital, alegando violação do princípio da isonomia.
- UFPE se manifesta, defendendo a legalidade do processo e afirmando que as vagas são supranumerárias.
- Vereador Tadeu Calheiros (MDB) critica o edital e declara que irá ingressar com ação judicial.
29 de setembro
- O Conselho Federal de Medicina (CFM) expressa oposição ao curso, argumentando que o modelo fere a meritocracia e privilegia grupos politicamente organizados.
30 de setembro
- A Justiça Federal de Pernambuco suspende o edital em resposta à ação popular de Tadeu Calheiros.
- A UFPE informa que irá recorrer da decisão judicial em todas as instâncias.
7 de outubro
- O TRF5 derruba a liminar e autoriza que o processo seletivo dê continuidade.
8 de outubro
- A CTFC convoca os ministros Camilo Santana (Educação) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) para prestar esclarecimentos sobre o edital.
- Uma liminar da 9ª Vara Federal suspende o edital novamente, em ação proposta pelo vereador Thiago Medina (PL).
9 de outubro
- AGU recorre da nova suspensão.
10 de outubro
- Pela segunda vez em menos de uma semana, o TRF5 invalida a suspensão da 9ª Vara, restabelecendo a continuidade do processo seletivo da UFPE.
30 de outubro
- O processo é suspenso novamente, desta vez por meio de uma ação popular movida por Francisco Queiroz Cavalcanti, ex-diretor da Faculdade de Direito do Recife.
31 de outubro
- Menos de um dia após a suspensão, a liminar é derrubada, permitindo a continuidade do processo seletivo (pela terceira vez).














