No dia 7 de outubro de 2025, o Governo Federal sancionou a Lei nº 15.233/2025, que institui o programa “Mais Médicos Especialistas“. Essa nova legislação trouxe, como uma de suas principais consequências, a revogação do dispositivo que concedia uma bonificação de 10% nas provas de residência médica.
O benefício era destinado a profissionais que atuavam por, no mínimo, um ano em programas de provimento federal, como o Mais Médicos e o antigo PROVAB (Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica). Agora, essa regra foi extinta, e a alteração faz parte de um contexto mais amplo de reformulação do programa, que busca novos modelos de incentivo para a fixação de médicos em áreas carentes.
O que diz a nova lei?
A principal mudança trazida pela Lei nº 15.233/2025 está na estrutura de incentivos do Mais Médicos. De forma direta, a nova legislação revogou os trechos da lei antiga (Lei nº 12.871/2013) que garantiam a bonificação de 10% nas provas de residência médica.
Esses trechos, especialmente o parágrafo 2º do artigo 22, determinavam que o médico que atuasse por pelo menos um ano em programas da Atenção Básica receberia a pontuação adicional em qualquer prova de residência. Era, portanto, o alicerce legal do benefício.
Em contrapartida, a bonificação não foi totalmente extinta; ela foi, na verdade, redirecionada. A nova lei criou o artigo 22-E, que estabelece uma nova condição para obter os mesmos 10%. Agora, o benefício é concedido exclusivamente aos profissionais que concluem a residência em Medicina de Família e Comunidade (MFC).
Quem ainda tem direito à bonificação?
Essa é a dúvida central de muitos médicos. A regra geral se baseia no princípio do direito adquirido. Sendo assim, a situação varia conforme o status de cada profissional antes da publicação da nova lei. Vamos aos cenários:
| Quem fez e concluiu o PROVAB | O direito está garantido. Se você completou os 12 meses do programa e seu nome consta na lista oficial de concluintes, a bonificação está preservada, pois o direito foi adquirido sob a lei antiga. |
| Quem atuou no Mais Médicos/Médicos pelo Brasil antes da lei | Se você já havia completado o período mínimo de 1 ano de atuação antes da data da nova lei, seu direito à bonificação também está protegido. |
| Quem ainda não havia completado 1 ano | Esta é a situação mais complicada. Como o requisito de tempo mínimo não foi cumprido antes da mudança na lei, a jurisprudência pode entender que não houve direito adquirido. |
| Quem vai ingressar agora no programa | Não tem mais direito a essa bonificação. De acordo com a nova redação, o bônus de 10% pela atuação na Atenção Básica não existe mais para novos participantes. |
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E quem já contava com esse benefício?
Aqui, entra em cena um princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro: o direito adquirido, protegido pelo Art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
Em outras palavras, a lei nova não pode retroagir para prejudicar um direito que uma pessoa já havia conquistado sob a vigência da lei anterior. Desse modo, para os médicos que preencheram todos os requisitos (como o tempo de serviço de 1 ano) antes de 8 de outubro de 2025, a bonificação deve ser assegurada. O direito integrou-se ao seu patrimônio jurídico e não pode ser retirado por uma legislação posterior.
No entanto, quem estava no meio do processo e não havia completado as condições exigidas pode enfrentar dificuldades para garantir o benefício judicialmente, pois a situação pode ser configurada como mera expectativa de direito.
O que dizem especialistas?
A mudança legislativa levanta um debate sobre seus impactos na saúde pública e na segurança jurídica dos médicos. Para entender melhor o cenário, conversamos com o advogado Edgar Jacobs, que aponta preocupações significativas.
Segundo ele, a revogação do bônus pode ter um efeito negativo no Sistema Único de Saúde (SUS). “A bonificação constitui um incentivo relevante, pois valoriza a atuação dos médicos em áreas prioritárias”, afirma. Jacobs ressalta que a medida vai na contramão de estratégias internacionais, citando um relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que aponta incentivos financeiros como essenciais para atrair profissionais a áreas carentes.
Portanto, a retirada do benefício pode desestimular a adesão de novos médicos a esses programas. Além disso, o advogado alerta: “a supressão repentina do benefício pode gerar insegurança jurídica e possivelmente judicialização, tanto pela discussão sobre direitos adquiridos quanto pela quebra do princípio da confiança legítima”.
Sobre a justificativa do governo para a mudança, Jacobs explica que, embora não haja um motivo oficial explícito, as discussões da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) indicavam que a principal preocupação seria “a dificuldade de comprovar quem efetivamente tem direito à bonificação, em razão da ausência de uma regulamentação mais detalhada sobre os beneficiários e critérios de aplicação”.
Essa lacuna, segundo ele, provavelmente levou à criação de um novo artigo na lei, que dá ao governo o poder de regulamentar os critérios para a concessão de bonificações.
No entanto, o especialista vê um risco nisso: “O problema surge quando essa prerrogativa é usada para restringir, e não regulamentar, um direito legalmente previsto”, conclui.















