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Pela primeira vez após 23 anos, indígenas são aprovados no curso de Medicina

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Pela primeira vez após 23 anos, indígenas são aprovados no curso de Medicina da Universidade Federal do Acre.

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Angélica Nunes da Silva Manchineri, de 24 anos, pertencente aos povos Manchineri e Huni Kuin, e Wesley Felipe Costa de Souza Nawa, de 25, da etnia Nawa, fizeram história ao se tornarem os primeiros indígenas aprovados no curso de Medicina em duas decadas do Acre na Universidade Federal do Acre (Ufac). Desde a criação do curso, em 2002, a graduação ainda não havia registrado a aprovação de estudantes indígenas.

Os dois estudantes conquistaram a aprovação em um vestibular exclusivo para candidatos indígenas. Em março deste ano, a Universidade Federal do Acre (Ufac) publicou um edital destinado a esse público, oferecendo vagas em diversos cursos de graduação.

“Ser a primeira indígena a entrar no curso de medicina é uma grande honra e uma responsabilidade imensa porque foram 35 turmas, com a minha agora, para que um indígena pudesse ingressar num curso tão elitizado como é o de medicina”, Angélica, que reside em Rio Branco, iniciou as aulas no curso de Medicina no começo de junho, marcando o início do primeiro semestre letivo de 2025.

Antes de ser aprovada em Medicina, Angélica já mantinha uma rotina dedicada aos estudos. Com a nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, garantiu uma bolsa integral para o curso de Engenharia Civil em uma instituição privada de Rio Branco. Ela chegou a cursar até o 6º período, mas precisou interromper a formação após o fechamento da faculdade, em 2023.

Em 2023, Angélica prestou novamente o Enem e foi aprovada para o curso de Engenharia Elétrica. Determinada a retomar os estudos na área de Engenharia Civil, realizou o exame mais uma vez no ano seguinte e, na nova tentativa, conquistou a vaga desejada.

Enquanto reunia a documentação para efetivar a matrícula em Engenharia Civil, Angélica tomou conhecimento do edital do vestibular específico para indígenas, lançado pela Universidade Federal do Acre. Diante da oportunidade, decidiu concorrer a uma vaga no curso de Medicina em uma instituição pública.

“O desejo era continuar de onde eu parei ou tentar aproveitar o que desse das matérias que eu havia cursado. Mas, conforme comecei o curso de elétrica, não senti mais a vontade e o interesse que tinha antes e cogitei ir para outra área. Foi quando o vestibular saiu e houve a oportunidade”, disse a acadêmica.

Angélica relata que, até então, não considerava a Medicina como uma possibilidade, por se tratar de um curso altamente concorrido. No entanto, com a abertura do vestibular específico para indígenas, enxergou a oportunidade de mudar de área e ingressar em uma graduação historicamente disputada.

“Nunca tinham feito um vestibular indígena, então, estudei durante um mês, que era o tempo que eu tinha. Estudei do dia que saiu o edital até a data da prova. Todos os dias ia para a biblioteca da Ufac. Comecei primeiro com resumos e leitura, mas percebi que tinha um rendimento melhor respondendo questões sobre cada assunto”, lembrou.

Angélica também destacou a surpresa ao ser aprovada na única vaga disponível para o curso de Medicina, destinada ao primeiro semestre de 2025, no campus da Universidade Federal do Acre, em Rio Branco.

“Fiquei muito feliz e surpresa. Eu havia estudado e me preparado, porém, sempre tinha aquele sentimento de ‘vão ter pessoas mais preparadas e mais inteligentes, completou.

Sonho de infância

Wesley, residente em Mâncio Lima, no interior do Acre, também prestou o vestibular específico e foi aprovado para a vaga destinada à turma que terá início em outubro, no segundo semestre de 2025. Ele afirma que enxergou no processo seletivo para indígenas a oportunidade de concretizar um sonho que alimenta desde a infância.

“Eu sempre tive o sonho de cursar medicina, sempre gostei de cuidar dos outros, sempre me vi do outro lado, o lado de ajudar quem precisa. Esse sonho nunca foi oculto, sempre mencionei a todos os familiares, amigos, parentes. É tanto que quem me indicou foi meu primo, Icaro Ninawá, que já sabia da minha vontade”, explicou.

Assim como Angélica, Wesley já mantinha uma rotina dedicada aos estudos. Em 2017, foi aprovado para o curso de Letras – Espanhol na Universidade Federal do Acre, no campus de Cruzeiro do Sul. No entanto, em razão da distância, precisou abandonar a graduação após o primeiro ano.

Entre 2019 e 2025, Wesley afirma ter mantido os estudos com a expectativa de, eventualmente, ser aprovado no curso de Medicina.

“Eu sempre estava atento, tanto as videoaulas, quanto às atualidades, assistia muito o jornal para saber das atualidades e tudo mais. Para medicina foi a primeira vez que me inscrevi e já vinha estudando há alguns anos para tentar uma boa nota no Enem e de alguma forma fazer medicina pela Ufac”, completou.

Com a publicação do edital, Wesley direcionou seus esforços para a preparação ao vestibular, dedicando-se a pelo menos uma hora diária de estudo. Ele reconheceu que a concorrência seria intensa, mesmo se tratando de um processo seletivo exclusivo para candidatos indígenas.

“Eu sabia que não seria fácil. A gente sabe que muitos parentes têm esse sonho de ingressar numa faculdade federal e não têm como pagar uma particular. Essa é a realidade do nosso povo, tentar vestibulares para passar para universidades federais”, pontuou.

Com a aprovação no curso de Medicina, Wesley se prepara para deixar o interior e se mudar para a capital acreana. Para viabilizar a mudança e dar continuidade aos estudos, ele contará com o apoio de uma tia, que possui residência nas proximidades da Universidade Federal do Acre.

“A gente conversou e ela disponibilizou essa casa. Ficarei pagando apenas água e luz, que pretendo pagar com o auxilio de bolsa estudantil. Se não der certo, vamos tentar dividir um aluguel com alguns dos parentes que já estudam na capital”, ele ressaltou ainda que familiares e membros da comunidade indígena se mobilizaram para apoiá-lo na realização desse sonho, oferecendo suporte para que pudesse iniciar a nova etapa acadêmica.

Futuro

Para o futuro, ambos os estudantes afirmam que pretendem exercer a Medicina junto às comunidades indígenas, contribuindo para a melhoria da assistência à saúde em suas regiões de origem.

“Estou muito feliz e honrada em representar a persistência do meu povo. Estou inclinada para a área de neurologia e atendimento às comunidades indígenas ou, também, cogito ser docente na área de medicina e de alguma forma contribuir para o ensino de futuros médicos indígenas que virão”, contou Angélica.

Wesley conta ter afinidade com as áreas de Pediatria e Obstetrícia, mas afirma que a escolha da especialização será definida ao longo da graduação, à medida que tiver contato com as diferentes disciplinas e campos de atuação médica. “Quero algo para a melhoria dos parentes, porque no nosso território, as pessoas que atuam lá são brancos, não são indígenas, e aí a gente quer reforçar que o indígena também tem capacidade. Eu quero atuar dentro da área indígena, seja lá, na área indígena que eu moro ou ser na área indígena de outros parentes”, disse Wesley.

Vestibular para indígenas

Foram disponibilizadas vagas para 36 cursos de graduação no campus de Rio Branco e outros 10 em Cruzeiro do Sul. A maior parte dessas graduações contou com apenas uma vaga destinada à concorrência entre candidatos indígenas, todas para ingresso no primeiro semestre deste ano.

Somente os cursos de Engenharia Florestal (bacharelado) e Medicina, ambos no campus de Rio Branco, tiveram vagas reservadas também para o segundo semestre de 2025.

“A entrada dos primeiros estudantes indígenas no curso de Medicina da Ufac representa um marco histórico para a universidade e para o nosso compromisso com a inclusão e a equidade. Esse resultado é fruto de um edital construído com diálogo e responsabilidade social, reafirmando o papel da Ufac na valorização da diversidade e na formação de profissionais que compreendam, respeitem e atendam às realidades dos povos originários”, disse a reitora da Ufac, Guida Aquino.

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