O centro cirúrgico Alclin Hospital de Olhos, em Salvador, receberá um novo nome em agosto de 2025. A unidade prestará homenagem à Dra. Maria Odília Teixeira Lavigne, reconhecida como a primeira médica negra formada no Brasil. A cerimônia de nomeação está marcada para o dia 8 e busca resgatar o legado de uma mulher que rompeu as barreiras do racismo e do machismo na ciência médica brasileira do início do século XX.
A decisão partiu da direção da Alclin, instituição baiana especializada em oftalmologia, que viu na figura de Maria Odília um símbolo de excelência, resistência e pioneirismo. Para além do ato simbólico, a homenagem reflete um movimento crescente em Salvador de valorização da história de personalidades negras que marcaram a educação, a saúde e a luta por direitos no país.
Trajetória pioneira
Nascida em 1884, na cidade de São Félix (BA), Maria Odília ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia em uma época em que a presença feminina, e especialmente negra, no ensino superior era quase inexistente. Concluiu o curso em dezembro de 1909, tornando-se a primeira mulher negra a obter o diploma de médica no Brasil.
Mas ela foi além, em 1914, assumiu a docência na própria instituição, tornando-se também a primeira professora negra da Universidade da Bahia, atual Universidade Federal da Bahia (UFBA). Escolheu como tema de sua tese a cirrose alcoólica, abordagem que evitou os estigmas raciais frequentemente associados às doenças hepáticas naquele período. O gesto revelou, desde cedo, o compromisso da médica com um olhar científico ético e desprovido de preconceitos.
Apesar de sua relevância histórica, o nome de Maria Odília, a primeira médica negra do Brasil, permaneceu apagado durante décadas dos livros de história e da memória institucional da medicina no país. Esse apagamento só começou a ser revertido nos últimos anos, com a mobilização de pesquisadores, movimentos negros e instituições acadêmicas.
Em 2023, a prefeitura de Salvador inaugurou o Memorial Maria Odília, na Escola de Saúde Pública do município, localizada no bairro do Comércio. O espaço interativo reúne documentos históricos, ilustrações, depoimentos e objetos simbólicos. Uma escultura em forma de árvore representa as raízes da médica baiana e seu impacto duradouro nas trajetórias de outras mulheres negras na saúde.
Símbolo de resistência
A escolha de Maria Odília como referência para um espaço de alta complexidade, como um centro cirúrgico, também lança luz sobre a importância da representatividade em ambientes de decisão e excelência técnica. Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2023, apenas 2,4% das docentes universitárias na área da saúde são mulheres negras. Na medicina, esse número cai ainda mais.
“É uma honra poder eternizar o nome da minha avó, Dra. Maria Odília Teixeira Lavigne, no centro cirúrgico da Alclin. Este gesto representa o reconhecimento de uma trajetória de superação, coragem e pioneirismo. Que a história dela inspire profissionais e pacientes que passam por aqui, lembrando-nos da importância de construirmos uma medicina mais humana, inclusiva e de excelência”, enfatiza o diretor da Alclin, Dr. André Luis Lavigne.

Ao nomear um espaço hospitalar com o nome de uma médica negra, a Alclin envia um recado claro: excelência e negritude caminham juntas. Para estudantes e profissionais negros, esse tipo de reconhecimento funciona como espelho e estímulo.
Ato com impacto educativo
A cerimônia de nomeação do centro cirúrgico deverá contar com a presença de autoridades locais, representantes da UFBA, membros da família Lavigne e convidados do setor da saúde. Durante o evento, está prevista a inauguração de uma placa comemorativa, além de uma exposição fotográfica sobre a trajetória da médica pioneira.
A iniciativa da Alclin se soma a outras ações de visibilidade que buscam corrigir o silenciamento histórico em torno de figuras negras no Brasil. Ao transformar o nome de uma profissional invisibilizada em referência para uma nova geração de médicos e pacientes, o hospital também assume uma posição de protagonismo social, indo além da prestação de serviços de saúde.
Representatividade na prática
Enquanto a diversidade racial ainda enfrenta entraves na medicina brasileira, iniciativas como essa ajudam a construir pontes entre o passado e o presente. Elas não apenas celebram nomes esquecidos, mas também abrem caminho para que outras histórias sejam reconhecidas e valorizadas.
A nomeação do centro cirúrgico da Alclin é, portanto, mais do que uma homenagem. Representa um gesto político, pedagógico e simbólico que reafirma a importância de revisitar o passado para construir um presente mais justo, especialmente em um país onde as desigualdades raciais ainda definem o acesso ao ensino superior, à saúde e às oportunidades profissionais.
Créditos: Alma Preta
Veja também:
Presença de negros na Medicina cresce, mas desafios e desigualdades continuam
Mais Médicos: 3.173 profissionais reforçam atenção básica no SUS