Cerca de quatro em cada dez médicos em atuação no Estado de São Paulo exercem a Medicina sem título de especialista, segundo a Demografia Médica do Estado de São Paulo 2026. O levantamento mostra que, em 2025, aproximadamente 79,5 mil profissionais (40%) atuaram como generalistas, enquanto quase 118 mil (60%) possuíam ao menos uma especialidade registrada.

O estudo é resultado de parceria entre a Associação Paulista de Medicina (APM), a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo(SES-SP). Os dados marcam uma mudança relevante no perfil da demografia médica paulista.
Em 2000, menos de 25% dos médicos no estado não tinham especialidade. O crescimento acelerado dos médicos generalistas, em ritmo superior ao dos especialistas, está diretamente associado à expansão do ensino médico e às limitações estruturais da residência médica em São Paulo, principal via de especialização no país.
O que diferencia médicos generalistas e especialistas
No Brasil, a especialização médica não é obrigatória para o exercício da profissão. Após a graduação, o médico pode atuar como generalista, especialmente em serviços de atenção primária, pronto atendimento e unidades básicas de saúde.
A residência médica é considerada o padrão-ouro da formação especializada e dependendo da área, a formação dura de dois a seis anos, com carga horária intensa e alta concorrência. Em São Paulo, a disputa por vagas atrai candidatos de todo o país, o que amplia a pressão sobre o sistema.
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Expansão do ensino médico impulsiona número de generalistas
Um dos principais fatores por trás do aumento de médicos sem especialidade é a expansão acelerada dos cursos de Medicina no estado. Em 2025, São Paulo contava com 87 escolas médicas, sendo 40 cursos abertos nos últimos dez anos. Desse total, 92% das vagas estão em instituições privadas, segundo a Demografia Médica.

O crescimento das vagas na graduação, no entanto, não foi acompanhado pela mesma expansão na residência médica. “Há um descompasso claro entre o número de formandos e a capacidade de absorção dos programas de residência”, afirma Mário Scheffer, professor da FMUSP e coordenador do estudo.
Gargalos da residência médica e impactos no SUS
São Paulo concentra cerca de 31% de todos os médicos residentes do Brasil, mas a oferta ainda é insuficiente diante da demanda. Especialidades como Dermatologia, Oftalmologia e Neurocirurgia figuram entre as mais concorridas, com milhares de candidatos por vaga. Em muitos casos, o ingresso na residência ocorre anos após a formatura.
Para Antônio José Gonçalves, presidente da APM, o aumento de generalistas não deve ser visto como um problema isolado. “O médico generalista é fundamental, especialmente na atenção primária. O desafio está em garantir qualidade de formação e equilibrar a distribuição de especialistas nas áreas mais necessárias ao sistema de saúde”, afirma.
No Sistema Único de Saúde (SUS), a falta de especialistas em áreas estratégicas como Medicina de Família e Comunidade, anestesiologia, psiquiatria e terapia intensiva, pode gerar sobrecarga nos serviços e ampliar filas por atendimento especializado.
Desigualdades regionais e entre setor público e privado
A distribuição dos médicos no território paulista segue desigual. A maior concentração de profissionais, especialmente especialistas, está na Grande São Paulo e nos polos de Campinas e Ribeirão Preto. Regiões como o Vale do Ribeira, com destaque para o município de Registro, apresentam densidade médica significativamente menor.
O estudo também aponta diferenças entre os setores público e privado, pois especialistas tendem a se concentrar no setor privado e em grandes centros urbanos, enquanto o SUS absorve parcela expressiva dos médicos generalistas, sobretudo em áreas periféricas e municípios menores.
Em comparação com outros estados brasileiros, São Paulo mantém uma das maiores razões médico/habitante. Ainda assim, a distribuição interna é desigual e se distancia de padrões observados em países da OCDE, onde políticas de regulação e incentivo regional são mais consolidadas.
Mudança no perfil da medicina paulista
A Demografia Médica do Estado de São Paulo 2026 também revela transformações no perfil dos profissionais. Cerca de 35% dos médicos têm até 35 anos, indicando o rejuvenescimento da profissão.
A feminização da Medicina se consolidou no estado. Em 2025, as mulheres representavam 52% dos médicos, com projeção de alcançar 66% na próxima década. Houve ainda crescimento da diversidade racial: 12,6% dos médicos se declaram pretos ou pardos.

Segundo Eloisa Bonfá, professora da FMUSP, esses dados reforçam a necessidade de políticas voltadas à equidade de gênero e à ampliação da presença feminina em cargos de liderança médica e acadêmica.
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Formação médica e políticas públicas em debate
O estudo destaca que o desafio central da formação médica no Brasil não está apenas no número de profissionais, mas na qualificação, distribuição regional e equilíbrio entre generalistas e especialistas.
Iniciativas recentes do governo estadual, como o programa Agora Tem Especialistas e a reorganização da Tabela SUS Paulista, são citadas como tentativas de enfrentar os gargalos identificados. Especialistas ouvidos pelo levantamento apontam que políticas de longo prazo, integrando educação e saúde, serão decisivas para alinhar a expansão do ensino médico às necessidades do sistema.















