O Diabetes Mellitus afeta mais de 537 milhões de adultos globalmente e representa um dos maiores desafios terapêuticos da medicina moderna. Diferente de muitas condições que permitem tratamentos curativos, o diabetes exige uma abordagem de manejo crônico multifacetada, com foco não apenas no controle glicêmico, mas na prevenção de complicações que impactam profundamente a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes.
A hiperglicemia crônica é um estado metabólico tóxico que danifica progressivamente múltiplos sistemas orgânicos. Desde complicações agudas potencialmente fatais como a cetoacidose diabética até danos microvasculares e macrovasculares crônicos, o diabetes mal controlado transforma-se numa cascata de morbidades.
Portanto, dominar as estratégias terapêuticas e compreender o espectro de complicações é essencial para todo médico.
Este artigo oferece um guia prático e clinicamente orientado sobre o tratamento do Diabetes Mellitus tipos 1 e 2.
1. Tratamento
O tratamento do DM é multifacetado e visa não apenas normalizar a glicemia, mas também prevenir complicações agudas e crônicas e reduzir risco cardiovascular. Alvos glicêmicos devem ser individualizados e deve-se sempre atentar para o risco de hipoglicemias.
Pilares fundamentais: Modificação do estilo de vida
A terapia nutricional e atividade física regular são componentes essenciais para todos os indivíduos com diabetes e a principal estratégia preventiva do DM2.
Medidas não farmacológicas
Educação estruturada: Autocuidado e monitorização glicêmica capilar e, quando disponível/indicado, sistemas de monitorização contínua. Planejamento de metas e reconhecimento de hipo/hiperglicemia.
Terapia nutricional: O objetivo é promover controle glicêmico e de peso, dando preferência por alimentos integrais e fibras, limitando ultraprocessados e açúcares. A contagem de carboidratos é particularmente importante para pacientes com DM1, permitindo ajustar as doses de insulina prandial. Sempre que possível, buscar ajuda profissional de Nutricionista.
Atividade física: Exercício aeróbico regular e treino de força, adaptados à capacidade funcional, com progressão segura.
Outros: Cessação do tabagismo, manejo de estresse, preservar o sono.
Tratamento farmacológico do DM1
Dado que o DM1 é um estado de deficiência absoluta de insulina, a terapia de substituição com insulina exógena é vital para a sobrevivência e o objetivo é mimetizar o padrão fisiológico: liberação contínua basal e picos prandiais.
O esquema mais fisiológico é o basal-bolus, que utiliza uma insulina de longa duração para cobrir as necessidades basais e uma insulina de ação rápida/ultrarápida antes das refeições para cobrir os picos de glicose naquele momento.
O regime mais comum é de múltiplas injeções diárias, mas há também a bomba de infusão contínua.
Tratamento farmacológico do DM2
A abordagem é tipicamente escalonada, começando com Metformina e adicionando outros agentes conforme necessário. A escolha desses agentes é orientada não só pela eficácia glicêmica, mas pelo perfil de comorbidades, especialmente doenças cardiovasculares ou renais.
Metformina (classe das Biguanidas): Universalmente recomendada como primeira linha. Melhora a sensibilidade periférica à insulina, reduzindo também a produção hepática de glicose. Não causa hipoglicemia em monoterapia e pode provocar discreta perda de peso. Não é um secretagogo, ou seja: precisa que haja insulina para funcionar. Desvantagens: efeitos adversos principalmente gastrointestinais.
Se a metformina isolada não atingir o alvo, outras classes podem ser adicionadas:
Sulfonilureias (glibenclamida, gliclazida): estimulam a secreção de insulina pelo pâncreas. Não participa na síntese de insulina, mas na liberação, necessitando assim de células beta pancreáticas funcionantes, por isso não é eficaz na DM1. São principalmente vantajosas para pacientes não obesos e sem coronariopatias estabelecidas, pois podem causar ganho de peso. Seu maior risco é a hipoglicemia.
Agonistas GLP-1 (liraglutida, semaglutida): mimetizam o GLP-1 (glucagon-like peptide 1), uma incretina (hormônio estimulador da secreção de insulina) produzida no intestino delgado em resposta à chegada de nutrientes. Age estimulando liberação de insulina em resposta à presença de glicose e na inibição da secreção inapropriada de glucagon. Infelizmente é um medicamento de alto custo.
Inibidores DPP-4 (sitagliptina, vildagliptina): DPP-4 é uma enzima amplamente expressa no corpo e que faz a degradação do GLP-1. Sua inibição aumenta essa incretina, potenciando secreção de insulina glicose-dependente. Também é um medicamento de alto custo.
Inibidores SGLT2 (dapagliflozina, empagliflozina): SGLT-2 são cotransportadores de sódio e glicose que promovem reabsorção renal da mesma. A inibição desse transporte promove maior excreção renal de glicose. Por conta do aumento na glicosúria, há maior incidência de infecções urinárias e genitais.
Tiazolidinedionas (pioglitazona): melhoram sensibilidade à insulina e, como a Metformina, precisa de insulina para funcionar.
🎯 PARA FIXAR
O paradigma atual evoluiu de uma visão “glicocêntrica” para uma estratégia “cardio-reno-cêntrica”. Inibidores SGLT2 e agonistas GLP-1 oferecem benefícios cardiovasculares e renais significativos, sendo fortemente recomendados em pacientes com doença cardiovascular estabelecida, insuficiência cardíaca ou doença renal.
2. Prognóstico e complicações
O diabetes, quando não controlado, desencadeia uma cascata devastadora de complicações que determinam profundamente o prognóstico. A hiperglicemia crônica é um estado tóxico que causa danos generalizados, dividindo-se tradicionalmente em crises metabólicas agudas e danos orgânicos crônicos (microvasculares e macrovasculares).
Fatores que influenciam o prognóstico
Melhoram o prognóstico:
- Diagnóstico precoce e controle glicêmico rigoroso desde o início
- Adesão às modificações de estilo de vida
- Controle adequado de pressão arterial e lipídios
- Rastreio e tratamento precoce de comorbidades
- Rastreio e tratamento precoce de complicações
- Uso de medicações cardioprotetoras e renoprotetoras
Complicações agudas
Cetoacidose diabética (CAD): Além do metabolismo da glicose, a deficiência de insulina desencadeia uma cascata metabólica perigosa envolvendo os lipídios: sem insulina, o feedback negativo da lipólise é liberado e o tecido adiposo quebra triglicerídeos massivamente, inundando o fígado com ácidos graxos livres.
Estes são direcionados para a beta-oxidação mitocondrial, produzindo acetil-CoA para gerar energia no ciclo de Krebs. Porém, esse acetil-CoA é produzido em excesso e o fígado então converte esse excedente em corpos cetônicos (acetoacetato, beta-hidroxibutirato e acetona) através da cetogênese.
Esses ácidos orgânicos acumulados consomem os sistemas tampão e reduzem o pH sanguíneo, levando à cetoacidose diabética – a complicação aguda mais temida do DM1.
Definida por hiperglicemia, cetose e acidose metabólica. Manifesta-se com náuseas, vômitos, dor abdominal, desidratação, respiração de Kussmaul e hálito cetônico.
Critérios diagnósticos: glicemia >250 mg/dL, pH <7,3, bicarbonato <18 mEq/L e a presença de cetonas no sangue ou na urina.
Estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH): Caracterizado por hiperglicemia extrema (>600 mg/dL), desidratação severa e hiperosmolaridade (> 320 mOsm/kg), e ausência de cetose significativa. O quadro é dominado por alterações neurológicas.
É mais comum no DM2, principalmente em idosos e pessoas com prejuízo de mobilidade (menor consumo hídrico). Taxa de mortalidade significativamente mais elevada que a CAD.
⚠️ ATENÇÃO: Ambas as complicações agudas são emergências médicas que exigem reconhecimento rápido e manejo hospitalar imediato. A hidratação vigorosa, correção eletrolítica e insulinoterapia endovenosa são pilares do tratamento.
Complicações crônicas microvasculares
Resultam de danos nos pequenos vasos causados pela exposição prolongada à hiperglicemia.
Incluem:
- Retinopatia: Manifesta-se com perda periférica e progressiva da visão, deixando o paciente com a “visão em tubo”. É a principal causa de cegueira em idade laboral.
- Nefropatia: O dano aos glomérulos inicia uma microalbuminúria, que evolui para proteinúria e redução progressiva da taxa de filtração glomerular. É a principal causa de doença renal terminal no mundo.
- Neuropatia (complicação mais comum): Manifesta-se principalmente como neuropatia periférica simétrica distal (“luva e meia” – mãos e pés) com dor, formigamento e perda de sensibilidade protetora nos pés, aumentando o risco de úlceras e amputações.
Complicações crônicas macrovasculares
O Diabetes Mellitus acelera a aterosclerose e é um fator de risco equivalente a já ter tido um infarto, sendo as doenças cardiovasculares responsáveis por até 80% dos óbitos. Incluem doença arterial coronariana (IAM), cerebrovascular (AVE) e periférica (DAOP).
Acompanhamento
O seguimento regular é essencial e deve incluir:
A cada consulta:
- Avaliação de sintomas e adesão ao tratamento
- HbA1c (a cada 3-6 meses conforme controle)
- Pressão arterial
- Exame dos pés (neuropatia diabética)
Anualmente:
- Perfil lipídico
- Função renal (creatinina, TFG, albuminúria)
- Exame oftalmológico com fundoscopia e campimetria
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O manejo do Diabetes Mellitus transcende o simples controle dos números glicêmicos. Trata-se de uma abordagem holística que integra modificações de estilo de vida, terapia farmacológica individualizada e vigilância ativa para complicações. O paradigma moderno valoriza a proteção cardiovascular e renal.
O prognóstico do diabetes não é predeterminado. Com diagnóstico precoce, tratamento adequado e acompanhamento regular, é possível prevenir ou retardar substancialmente as complicações devastadoras desta condição. O engajamento do paciente no autocuidado e a abordagem multidisciplinar são determinantes para o sucesso terapêutico.
Para compreender melhor como reconhecer e diagnosticar o Diabetes Mellitus, incluindo fisiopatologia, manifestações clínicas e critérios diagnósticos, confira nosso artigo: “Diabetes Mellitus: Reconhecimento e Diagnóstico na Prática Clínica”.
Sobre a autora

Olyvia Spontan é médica formada pela Universidade Tiradentes (UniT) em 2022, com formação sanduíche na UPAEP (Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla – México) – ano de 2016.
Atua como médica reguladora e tem experiência em regulação de urgências e regulação de leitos. Além disso, é entusiasta da tecnologia, aliada à IA para redação de textos médicos, dos quais hoje é revisora.















