Mais de 750 dias de atrasos e adiamentos no Programa Mais Médicos

A retomada dos editais do Mais Médicos revela falhas na execução e a desconexão com as necessidades da formação médica no Brasil.

Compartilhar:

mais médicos

Escrito por:

Edgar Jacobs
Advogado, Doutor em Direito e Consultor na área de Direito Educacional

O Programa Mais Médicos (PMM), instituído pela Lei nº 12.871/2013, tem entre seus pilares a expansão da formação médica por meio da abertura de cursos de Medicina em localidades estrategicamente selecionadas. Após um período de cinco anos de interrupção, que o Supremo Tribunal Federal qualificou como verdadeira “moratória” da política pública, o Governo Federal anunciou, em abril de 2023, a retomada dos editais de chamamento.

A Portaria MEC nº 650/2023 previa dois tipos de chamadas públicas, nos termos do art. 3º da própria Lei do PMM: uma voltada à expansão do ensino com base na relevância e necessidade social; e outra destinada a hospitais de excelência. Contudo, mesmo com a a normativa de abril, o primeiro edital — o Edital MEC nº 01/2023, voltado a instituições privadas de ensino superior — só foi efetivamente lançado em junho. O segundo, direcionado a unidades hospitalares, veio apenas em abril de 2024.

Retomada dos editais expõe falhas na execução da política.

Apesar do longo período de preparação, o primeiro edital foi alvo de críticas contundentes. Os municípios, que antes exerciam papel central na adesão ao programa, sequer foram consultados sobre seu interesse em receber novos cursos. Em vez disso, adotou-se um sistema de seleção automatizada, baseado em algoritmo, sem qualquer interação com as cidades que constaram no edital. A consequência foi uma pré-seleção de municípios que, em diversos casos, não refletia nem a demanda real por formação médica nem a estrutura disponível para sua viabilização.

O resultado preliminar desse edital evidenciou as falhas do modelo: das 95 regiões possíveis, apenas 82 contaram com propostas habilitadas. A ausência de propostas para mais de uma dezena de municípios indica, de forma clara, que as Instituições de Ensino identificaram problemas de infraestrutura, viabilidade ou atratividade local. Tal desfecho reforça a inadequação de decisões automatizadas para uma política pública dessa complexidade, cuja eficácia depende de diálogo com os entes locais e avaliação concreta das condições regionais.

O segundo edital — para hospitais — agravou ainda mais o cenário. Apesar de se apresentar como uma reedição do chamamento de 2014, as alterações introduzidas acabaram criando novas barreiras, especialmente para hospitais privados e redes hospitalares de excelência, que hoje estão mais estruturados e interessados em contribuir com a formação médica. O resultado foi desanimador: baixa adesão, dificuldades práticas de participação e judicializações pontuais, que forçaram a prorrogação dos prazos por mais um ano.

Essa extensão pode ser bem-vinda para alguns hospitais, mas para a população — que precisa de mais médicos e de cursos de qualidade — representa apenas mais um atraso para o segundo edital. Para a política de chamamentos, como um todo, fato é que, após mais de dois anos da retomada anunciada, somente dois novos cursos de Medicina foram efetivamente autorizados.

O contraste entre o discurso oficial e a execução dos chamamentos é evidente. O Ministério da Educação insiste em afirmar o compromisso com a qualidade da formação médica e com a adoção de critérios objetivos para expansão dos cursos. No entanto, não consegue, na prática, levar adiante nem os editais que ele mesmo preparou.

Se, no passado recente, o STF já qualificou como “negação da política pública” o longo período sem novos chamamentos, talvez agora fosse o caso de identificar uma nova omissão: a ausência de capacidade técnica ou de vontade política para implementar a política retomada. A lacuna permanece — com efeitos silenciosos, mas profundos — na formação médica nacional e provavelmente para a saúde pública no médio e longo prazo.

Ao todo, já são mais de 750 dias desde que os editais foram prometidos em 2023. Se somarmos esse período aos cinco anos anteriores de paralisação, o Brasil se aproxima de uma década sem abertura de cursos de Medicina por iniciativa governamental. E, lamentavelmente, esse tema permanece fora do debate público.

Mais preocupante do que o silêncio institucional é o discurso recorrente — e muitas vezes acrítico — de que há médicos ou cursos de Medicina em excesso no país. Por elitismo, corporativismo ou simples repetição de narrativas, esse argumento, que destoa da realidade, se perpetua entre autoridades e entidades de prestígio, negando ao Brasil um futuro com mais médicos e maior equidade no acesso à saúde.

Veja outros textos do Edgar Jacobs:

Os resultados da avaliação dos cursos de Medicina

Medicina: os estudantes deveriam ser a parte mais importante

MEC x Poder Judiciário: Impactos da crise nos Cursos de Medicina

Não há saúde sem Mais Médicos: uma carta aberta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Tudo que acontece na Medicina está na MEM. Assine nossa newsletter!

Ao enviar, você concorda em receber comunicações.

O mundo da medicina No seu e-mail.

Acompanhe todas as novidades, dicas, notícias e curiosidades do mundo da medicina no seu email.

*Ao enviar seus dados, você concorda em receber comunicações da Melhores Escolas Médicas e nossos parceiros. Você pode cancelar a inscrição a qualquer momento. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.