Em breve, o STF decidirá as últimas questões sobre a autorização dos cursos de medicina, com julgamento previsto para iniciar em 21 de março. Nesse cenário, uma parte envolvida precisa ser o principal foco da decisão: os estudantes. Não apenas os alunos dos cursos iniciados por decisões judiciais, mas todos os estudantes e candidatos a estudantes de medicina.
Um exemplo claro de como algumas autoridades percebem os estudantes foi dado recentemente por uma Conselheira do Conselho Nacional de Educação. Após críticas feitas em tom de acusação criminal sobre autorizações recentes para cursos de medicina, a conselheira declarou que os estudantes “são pessoas que vão simplesmente sair da graduação e vão trabalhar no ‘postinho’, que não vão buscar fazer uma residência, não vão se qualificar, mas vão viver daquele plantão, de dar atestado”. Essa afirmação demonstra um determinismo injustificado e ignora não apenas a escassez de vagas para especializações, mas também o papel essencial desempenhado pelos médicos que atuam nos postos de saúde.
O propósito aqui não é avaliar a fala isoladamente, pois, para evitar um julgamento precipitado semelhante ao que ela mesma apresenta, é recomendável ler a reportagem completa. Contudo, a declaração expõe os estudantes como coadjuvantes nas discussões sobre os cursos de medicina. De fato, presume, de maneira equivocada, que eles têm total liberdade para escolher o futuro profissional, como se a disponibilidade de vagas para formação médica não fosse constantemente manipulada pelo Poder Público.
Além disso, atribui-se à demanda dos estudantes de medicina a responsabilidade pelos altos preços dos cursos, impactando negativamente programas como o FIES. Essa questão foi destacada em outra entrevista, desta vez pelo Ministro da Educação, que expressou: “Minha preocupação é que, a cada vez que o MEC aumente o teto de medicina, as faculdades também aumentem…”. Tal afirmação é incomum, pois normalmente preços privados não são determinados exclusivamente por atos do Poder Público. Ainda assim, a preocupação se alinha com outra parte do texto, que questiona por que “determinadas faculdades de medicina cobram R$15 mil, e outras cobram R$8 mil”. Em ambas as colocações, negligencia-se a lógica da oferta e da procura, o que é conveniente para representar quem oferece cursos de medicina como vilões e quem paga valores elevados como ingênuos, eximindo a responsabilidade do estado pela situação do mercado.
Entretanto, o problema real em ambos os casos é o baixo número de vagas disponíveis em medicina, o que limita a concorrência, aumenta preços e reduz o incentivo para aprimorar a qualidade. A elevação unilateral dos preços é típica em mercados monopolistas ou oligopolistas, que também desestimulam a inovação e o compromisso com a qualidade.
Portanto, as supostas falhas apontadas publicamente são consequência direta da desastrosa política nacional adotada em relação aos cursos de medicina. Custos elevados com o SUS e com planos de saúde também podem derivar dessas políticas, que não são exclusivas de um governo específico. O ponto principal aqui, contudo, é o custo humano: o sofrimento dos estudantes que estão cursando medicina, que já se formaram ou desejam ingressar nessa carreira.
Milhares de estudantes brasileiros buscam graduação em medicina fora do país, como já abordado em outro artigo, causando até mesmo perdas tributárias, e ao retornar são submetidos a exames que seus colegas brasileiros não precisam enfrentar. Paralelamente, outros milhares têm poucas opções de cursos de medicina em suas cidades ou estados e ou enfrentam barreiras adicionais para acessar especializações. Essas pessoas não são indivíduos ruins nem futuros médicos preocupados apenas como dinheiro, que voluntariamente aceitam qualquer tipo de atividade, são parte do Estado desigual que se tornou o Brasil.
Leia mais textos do Edgar Jacobs:
MEC x Poder Judiciário: Impactos da crise nos Cursos de Medicina
Não há saúde sem Mais Médicos: uma carta aberta
A febre dos indeferimentos de Medicina
Criticar suas escolhas de trabalho ou os empréstimos para custear suas mensalidades é um golpe duro contra pessoas que já enfrentam dificuldades enormes. E pior ainda são as propostas que sugerem que estudantes matriculados em novos cursos autorizados judicialmente devem perder todo o investimento e ter suas disciplinas desconsideradas —algo já rejeitado em decisão colegiada pelo STJ e recentemente negado de forma monocrática pelos presidentes do TRF1 e do STF.
Alunos regularmente matriculados têm o direito de preservar o conhecimento adquirido e continuar seus cursos. Eles não devem ser tratados como culpados pelos erros alheios ou considerados danos colaterais.
Nesse debate, os estudantes devem estar no centro das decisões. O MEC, as Instituições e especialmente o STF, precisam ter esse foco. Afinal, não haverá “mais médicos” sem “mais cursos”, e sem eles também não haverá redução nas mensalidades, nem os benefícios da concorrência saudável, como melhorias contínuas na qualidade e incentivo à inovação.
O MEC deve estar atento a isso, pois prejudicar estudantes como meio de pressionar as Instituições de Ensino seria uma estratégia cruel. Da mesma forma, as Instituições precisam cumprir seus compromissos, garantindo a qualidade dos cursos, judicializados ou não.
O futuro são eles, os estudantes, brasileiras e brasileiros que trabalharão onde quiserem e, espera-se, tenham mais escolhas para seus filhos e netos.
Acesse nossas notícias sobre o mundo da Medicina:
- Tudo sobre a residência em Medicina do Trabalho; saiba mais!por Karla Thyale Mota
- Tudo sobre a residência em Ortopedia e Traumatologia; saiba maispor Karla Thyale Mota
- Residência Médica em Neurocirurgia: Carreira, Remuneração, Atuação e Mais!por Karla Thyale Mota
- Residência em Anestesiologia: carreira, remuneração e mais!por Karla Thyale Mota