Este texto é uma paráfrase de um artigo de opinião originalmente publicado por Claudio de Moura Castro sobre as políticas de regulação do ensino superior no Brasil.
No Brasil, a educação superior enfrenta um cenário de hiper-regulação, onde a criação e manutenção de instituições de ensino superior passam por uma série de regras frequentemente complexas e, em muitos casos, questionáveis. Um exemplo recente ilustra bem essa questão: um grupo de médicos aposentados da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) decidiu fundar uma nova escola de Medicina. O Ministério da Educação (MEC), no entanto, bloqueou a iniciativa, argumentando que o mercado em Belo Horizonte está saturado para a formação de novos médicos. Os empreendedores, então, decidiram abrir a instituição em uma cidade próxima para contornar essa limitação. O resultado, porém, foi o contrário do desejado: professores e alunos continuam se deslocando diariamente de Belo Horizonte, e os graduados acabam retornando à capital mineira para trabalhar, revelando que a suposta saturação era apenas uma percepção do MEC.
A Regulação Excessiva e as Contradições do MEC
Este caso levanta uma série de questionamentos sobre o papel do Estado na regulação do ensino superior. Ao proibir a abertura de novas escolas, o MEC cria uma barreira que, na prática, protege as instituições já estabelecidas de qualquer nova concorrência. Essa postura é apoiada tanto por grupos empresariais que desejam manter seu monopólio quanto por segmentos da esquerda que acreditam estar punindo “tubarões do ensino”. Contudo, a restrição da abertura de novas instituições apenas aumenta o lucro daqueles que já dominam o mercado, sem resolver o problema da qualidade.
A abordagem do MEC, que consiste em limitar as autorizações para novas faculdades, não elimina as instituições de baixa qualidade que já existem. Na verdade, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) não indica que as faculdades recém-criadas são piores do que as mais antigas. Portanto, a solução não é proibir novas instituições, mas, sim, focar em melhorar a qualidade daquelas que apresentam deficiências, através de exigências rigorosas e penalidades adequadas, como foi feito nos Estados Unidos no início do século 20, quando metade das escolas de Medicina foi fechada após um relatório crítico de qualidade.
Definindo o Papel do Estado na Educação
O epicentro da discussão recai sobre o papel do Estado na educação superior. Deve o governo interferir em todas as esferas ou limitar-se a garantir que o consumidor (neste caso, o estudante) não seja enganado? Um papel claro do Estado é garantir que não haja propaganda enganosa e que o público tenha acesso a informações precisas sobre a qualidade do ensino, como acontece com o Enem e o Enade.
Para cursos como Medicina e Enfermagem, que envolvem riscos significativos à sociedade, é justificável que o MEC mantenha padrões elevados de qualidade. O mesmo ocorre com cursos de Direito, regulados pelo exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que assegura um nível mínimo de competência para o exercício da profissão. No entanto, para outras áreas, o MEC deveria estabelecer parâmetros claros de competência dos graduados e incentivar a busca pela excelência, em vez de simplesmente restringir a abertura de novas faculdades.
Como Medir a Qualidade do Ensino?
A questão da qualidade do ensino é complexa e envolve múltiplas dimensões. Três medidas principais podem ser consideradas:
- Avaliação do aprendizado dos alunos – similar ao Enade, medindo o conhecimento adquirido durante o curso.
- Sucesso no mercado de trabalho – uma métrica crítica para os alunos ao escolherem suas escolas, e um aspecto que o Estado não deveria regular diretamente.
- Critérios de qualidade definidos pelo MEC – que atualmente se baseiam em uma extensa lista de requisitos, como infraestrutura e qualificação dos professores, mas que muitas vezes não captam o real desempenho das instituições.
O famoso Guia Michelin, usado para avaliar restaurantes, oferece uma analogia interessante. Seus avaliadores focam exclusivamente no resultado final – a qualidade da comida – sem se importar com detalhes como o modelo do fogão ou a marca das facas. De forma semelhante, o MEC poderia reorientar sua avaliação para o resultado final da educação – o aprendizado dos alunos – ao invés de se prender a uma infinidade de requisitos burocráticos que nem sempre têm impacto direto na qualidade do ensino.
Conclusão: O Caminho para uma Educação Melhor
A atual abordagem regulatória do MEC, focada em proibir a entrada de novas instituições e em avaliar elementos periféricos, não garante a qualidade do ensino superior. O modelo de avaliação deveria ser revisado para priorizar o desempenho dos alunos e o impacto no mercado de trabalho, deixando que o mercado decida o destino das instituições que oferecem serviços educacionais. Assim como no Guia Michelin, a atenção deve estar nos resultados, não nos processos.
Ao final, é preciso reconhecer que leis inadequadas levam a resultados insatisfatórios, e a regulação educacional no Brasil precisa urgentemente de reformas que priorizem a qualidade do ensino e promovam um ambiente de concorrência saudável e justa.
Fonte: Claudio de Moura Castro | ESTADÃO
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