Os resultados da avaliação dos cursos de Medicina

A avaliação dos cursos de Medicina aponta que altos valores impactam o FIES, mas regular preços pode não ser a solução ideal.

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Escrito por:

Edgar Jacobs
Advogado, Doutor em Direito e Consultor na área de Direito Educacional

Em recente reportagem, o Ministro da Educação criticou o alto valor das mensalidades dos cursos de medicina. Sua crítica procede parcialmente, especialmente porque esses altos valores impactam diretamente o FIES e não apenas as pessoas que decidem pagá-los.

No entanto, a solução sugerida pelo ministro, de regular preços via normas e criar um instituto regulador, talvez não seja a ideal.

Concorrência perfeita

Num mercado concentrado como o da educação médica, uma alternativa seria aproximar as condições de oferta ao modelo conhecido como concorrência perfeita.

Segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a concorrência perfeita é uma estrutura de mercado onde nenhum agente econômico possui tamanho ou força suficientes para influenciar o mercado. Para o CADE, quatro condições devem existir: grande número de vendedores ou prestadores de serviço; transparência nas informações sobre preços; ausência de economias de escala significativas; e inexistência de barreiras à livre circulação de fatores produtivos e empresários. Sob tais condições, fornecedores são incentivados a oferecer melhor preço e qualidade para conquistar mais clientes (alunos).

No ensino superior há um número razoável de prestadores, informações transparentes sobre custos essenciais (como salários dos docentes), limitações claras para economias de escala (número máximo de alunos por sala), e as barreiras regulatórias são geralmente reduzidas para universidades e centros universitários. 

Por isso, esse mercado, em geral, controla bem preços e qualidade. Um exemplo claro é o dos cursos de direito, cujas mensalidades baixaram até demais e não impediram o surgimento e a manutenção de excelentes cursos. No contexto de preços médios mais justos, o papel do Poder Público, hoje, é garantir que eles não sejam predatórios (abaixo do custo) e que sua redução não afete a qualidade, usando tanto seu poder de fiscalizar quanto sua capacidade de incentivo.

O efeito da concorrência pode ser facilmente compreendido: imagine uma cidade com apenas um curso de Administração. Se a instituição decidir aumentar preços, precisa considerar que outra instituição pode rapidamente criar um curso semelhante com mensalidade menor. Isso também vale para a qualidade, já que um curso mais inovador poderia atrair alunos. Teoricamente, é assim que funciona um mercado em condições próximas à concorrência perfeita.

Barreiras regulatórias

Se na mesma hipotética cidade existir apenas uma Instituição de Ensino Superior (IES), esta terá menor preocupação imediata, pois o credenciamento de um novo concorrente no município demora cerca de dois anos. Assim, existe o efeito potencial da concorrência mesmo em localidades com oferta monopolista. Porém, a vantagem dessa IES será proporcional ao rigor das barreiras regulatórias existentes, pois elas influenciam nos custos e no tempo de instalação de ingressantes no mercado.

Essas barreiras não são o único fator a influenciar preços. Mensalidades dependem também dos custos operacionais, do número de vagas, da demanda, da qualidade dos serviços e da relação entre preço do curso e salário potencial do graduado. Entretanto, a concorrência é crucial, pois afeta diretamente quase todos esses fatores.

Outro ponto relevante é que, enquanto outros fatores influenciam preços iniciais, somente as barreiras regulatórias garantem a manutenção de mensalidades elevadas indefinidamente. Quanto maiores as barreiras, maior a possibilidade de grandes reajustes e da qualidade estagnada. Além disso, quanto menor o número de formandos, maior a possibilidade de remunerações atrativas.

Mensalidades da educação médica

Na área médica, existem múltiplos problemas que impactam nos preços. Os insumos são caros, as vagas historicamente escassas, os salários potenciais permanecem altos e, principalmente, há barreiras regulatórias excessivas.

Até 2012, as barreiras eram razoáveis, mas após 2013, novos cursos de medicina passaram a depender de editais do MEC. Desde 2018, nenhuma nova autorização ocorreu por meio desses editais de chamamentos devido inicialmente a uma moratória de cinco anos e, nos últimos dois anos e três meses, à lentidão na conclusão dos processos pelo MEC.

A exceção são cursos autorizados judicialmente (validados pela ADC 81/STF) e, em menor escala, aqueles pendentes desde o Programa Mais Médicos de 2018. Resultado: concorrência escassa e mensalidades elevadas.

Problema para alunos ou para o MEC?

Uma visão liberal simplista afirmaria que mensalidades altas são um problema dos alunos que optam por pagar. Também argumentaria que o Estado já oferece cursos gratuitos. No entanto, a realidade é mais complexa.

O setor privado concentra a maior parte das vagas e os cursos públicos, por outro lado, têm custos ainda mais altos. Segundo o Jornal da UNESP (2022), o custo anual médio do aluno em instituições privadas foi R$14.850, enquanto nas federais foi R$40.900 e nas estaduais R$32.200. Por isso, ao invés de ampliar satisfatoriamente sua rede o governo federal financia estudantes em instituições privadas por meio de programas como FIES e PROUNI.

Esses programas são essenciais, especialmente em cursos com custos elevados como medicina, garantindo que estudantes de baixa renda tenham acesso à formação médica. Na realidade, eles corrigem outra falha concorrencial, posto que a baixa oferta de vagas gratuitas faz com que estudantes com maior capacidade econômica, que podem pagar por cursos preparatórios privados especializados, tenham maiores chances de ingresso nas instituições públicas. Embora exista essa discussão relevante sobre a elitização da medicina, inclusive nas federais, o ponto aqui é entender o motivo de o MEC se preocupar com as mensalidades privadas.

O Ministério preocupa-se com os preços porque mensalidades altas elevam diretamente os valores financiados pelo governo. O teto de financiamento é determinado pelo valor das mensalidades de medicina, reajustadas anualmente.

A preocupação é legítima. Contudo, regulamentar reajustes não é a melhor solução para o problema, já que o sistema atual funciona bem para outros cursos e um congelamento poderia até prejudicar a qualidade sem reduzir os preços atuais.

Existe solução?

Não há solução fácil ou imediata para o problema. Qualquer medida brusca poderia inviabilizar cursos em regiões estratégicas, especialmente aquelas atendidas pelo Mais Médicos, que possuem custos adicionais (ex. contrapartida ao SUS e dificuldade de recrutamento de docentes qualificados).

Medidas que interfiram nos preços devem ser equilibradas e gradativas, primeiramente atacando lucros excessivos quando comprovados. Em seguida, poderiam surgir ganhos de produtividade, e o Estado poderia contribuir financiando adequadamente o SUS.

A melhor forma de reduzir eventuais lucros excessivos é pela concorrência, que também gera ganhos de produtividade. Portanto, o MEC deveria focar na redução das barreiras regulatórias para incentivar a competição no setor.

Existem cursos mais acessíveis hoje justamente pela mínima concorrência criada a partir de decisões judiciais, validadas pelo STF, e pelo fato de muitos estudantes brasileiros terem optado por cursos médicos no exterior, ampliando o espaço competitivo. Mas o valor das mensalidades de medicina ainda é significativamente maior que o dos demais cursos.

Não faltam normas claras; a Lei de Mensalidades já é bem consolidada, e não há necessidade de mais um órgão regulador, já que preços elevados não são infrações. Preços muito altos ou baixos indicam problemas de mercado, problemas profundos que não necessariamente são resolvidos por tabelamentos ou congelamentos.

Enfim, ninguém espera que a educação médica alcance a concorrência perfeita, já que isso é um modelo teórico. Contudo, antes de criar custos adicionais com um novo instituto regulador, o MEC deveria considerar reduzir as barreiras regulatórias para estimular uma concorrência mais saudável e, consequentemente, conter o valor das mensalidades.

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