publicidade

Resumo de Esporotricose: etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento

Compartilhar:

A esporotricose também é conhecida como ‘doença do jardineiro’, observada em pessoas que trabalhavam com plantas e terras.

Compartilhar:

A esporotricose tornou-se um dos principais desafios em saúde pública no Brasil, especialmente devido ao aumento expressivo de casos zoonóticos transmitidos por gatos. Trata-se da micose subcutânea mais frequente na América Latina, com impacto crescente em populações vulneráveis.

Médicos e estudantes precisam estar atentos: o diagnóstico precoce e o manejo correto são decisivos para evitar complicações e a disseminação da doença. 

Neste artigo, revisamos os principais aspectos da esporotricose com foco prático e atualizado.

O que é Esporotricose?

Definição detalhada

Casos de esporotricose em pacientes com problemas imunológicos. Imagem – Infectologia: Bases Clínicas e Tratamento/Reinaldo Salomão.

Esporotricose é uma infecção subcutânea causada por fungos do gênero Sporothrix, adquirida geralmente por inoculação traumática na pele através de contato com solo, plantas ou, mais recentemente, por arranhaduras e mordeduras de gatos infectados. Popularmente chamada de “doença do jardineiro” ou “doença da roseira”, pode assumir curso subagudo ou crônico e, em casos graves, acometer órgãos internos.

Agente etiológico

O gênero Sporothrix não representa uma única entidade, mas um complexo de espécies filogeneticamente relacionadas com características epidemiológicas e de virulência distintas:

  • Sporothrix schenckii (sensu stricto): Distribuição global, causa a forma clássica da “doença do jardineiro”, transmitida principalmente pelo ambiente.
  • Sporothrix brasiliensis: Predominante na América do Sul (especialmente Brasil), altamente transmissível através de felinos, causando a atual epidemia zoonótica com maior virulência. Tem sido associada a um maior número de lesões, lesões mais exuberantes e maior frequência de envolvimento mucoso e formas disseminadas, mesmo em hospedeiros aparentemente imunocompetentes.
  • Sporothrix globosa: Comum na Ásia e outras regiões, geralmente causa formas cutâneas fixas com menor virulência.
  • Sporothrix luriei: Rara, mas altamente virulenta.
  • Sporothrix mexicana e S. chilensis: Menos frequentes, geralmente associadas a formas mais leves. 

Classificação

A esporotricose pode ser classificada em:

  • Cutânea linfocutânea (mais comum, padrão clássico “em rosário”)
  • Cutânea fixa
  • Cutânea disseminada
  • Mucosa
  • Extracutânea (osteoarticular, pulmonar, neurológica)

Virulência

Os principais fatores de virulência observados são termotolerância, composição e espessura da parede celular e a produção de adesinas na parede celular do fungo em sua fase leveduriforme. Outro fator de virulência importante é a produção de melanina na parede celular. Esse pigmento é um importante fator de virulência para vários fungos.

Epidemiologia da esporotricose

Distribuição geográfica

A esporotricose possui distribuição cosmopolita, com predileção por regiões de clima tropical e subtropical. Áreas hiperendêmicas incluem países da América Latina (especialmente Brasil), partes da África e Ásia.

No Brasil, a região Sudeste, particularmente o Rio de Janeiro, é considerada hiperendêmica para a esporotricose zoonótica causada por S. brasiliensis

Incidência e prevalência

Formas imunorreativas da esporotricose. Imagem – Infectologia: Bases Clínicas e Tratamento/Reinaldo Salomão.

Dados recentes do Ministério da Saúde indicam uma contínua ascensão: em 2023, foram registrados 1.239 casos humanos no Brasil, e até junho de 2024, já haviam sido notificados outros 945 casos. 

A subnotificação é frequente, mas em março de 2025 a doença passou a ser de notificação compulsória em todo o território nacional.

Fatores de risco

  • Contato com solo, matéria vegetal ou madeira contaminada
  • Atividades de jardinagem, agricultura, floricultura
  • Exposição a gatos infectados (especialmente não castrados e com acesso à rua)
  • Imunodeficiência (HIV/AIDS, diabetes, uso de imunossupressores)
  • Condições socioeconômicas precárias

Populações vulneráveis

  • Jardineiros, agricultores, floristas, veterinários, tratadores de animais
  • Crianças, idosos e mulheres (maior contato domiciliar com animais)
  • Indivíduos imunocomprometidos

Fisiopatologia

A patogênese da esporotricose inicia-se com a inoculação traumática de propágulos fúngicos (conídios ou fragmentos miceliais) na pele ou mucosas. No local, e sob a temperatura corporal (35-37°C), ocorre a transição dimórfica da forma filamentosa (ambiental) para a forma de levedura (patogênica e invasiva).

As leveduras utilizam adesinas (Gp70, Hsp60, Pap1) para se ligar à matriz extracelular do hospedeiro (fibronectina, laminina, colágeno), estabelecendo a infecção. Enzimas extracelulares podem auxiliar na invasão local.

A presença do fungo desencadeia uma resposta inflamatória aguda, com recrutamento de neutrófilos e macrófagos. Clinicamente, surge a lesão primária (pápula ou nódulo), conhecida como “cancro esporotricótico”.

A partir daí, a infecção pode seguir diferentes caminhos:

  • Disseminação Linfática: As leveduras são transportadas pelos vasos linfáticos regionais, formando nódulos inflamatórios secundários ao longo desse trajeto, caracterizando a forma linfocutânea (mais comum).
  • Forma Cutânea Fixa: A infecção permanece localizada no sítio de inoculação, sem disseminação linfática aparente.
  • Disseminação Hematogênica: Menos comum, ocorre principalmente em imunocomprometidos, levando o fungo a órgãos distantes (ossos, articulações, pulmões, SNC), resultando em formas extracutâneas ou sistêmicas.

Quadro clínico

Manifestações clínicas comuns

A lesão inicial ou “cancro de inoculação” e ainda “cranco esporotricótico” acontece em semanas a meses, no local do trauma, após a inoculação transdérmica do agente.

Quando há a disseminação pelos vasos linfáticos regionais, frequentemente se formam lesões nodulares ao longo de seu trajeto , assumindo um aspecto “em rosário” ou de “colar de pérolas”. Evolutivamente, os nódulos fistulizam-se e abscedam, formando uma linfonodite abscedante ascendente. Esta caracteriza a forma mais frequentemente observada na esporotricose humana, que é denominada linfocutânea, 50 a 70% dos casos.

A forma fixa cutânea ocorre em 20 a 30% dos pacientes. Nessa forma, não se observa a disseminação linfática que caracteriza a forma anterior. A lesão pode ser única ou múltipla, com ulcerações cutâneas de bordos bem delineados, eritematosos e infiltrativos.

Em ambas as formas pode haver prurido e dor de intensidade variável nas lesões.

Manifestações clínicas graves/alertas e apresentações atípicas

  • Cutâneas Atípicas: Lesões verrucosas, em placa, acneiformes, celulite-símile, infiltrativas profundas, múltiplas lesões disseminadas.
  • Envolvimento Mucoso:
    • Ocular: Conjuntivite, edema palpebral, secreção, dor, fotofobia, granulomas.
    • Nasal: Rinorreia sanguinolenta, crostas, obstrução, epistaxe.
    • Oral/Faríngea/Laríngea: Lesões ulceradas ou granulomatosas, dor, disfagia, disfonia.
  • Envolvimento Osteoarticular: Artrite (geralmente monoarticular – joelho, punho, cotovelo, tornozelo), dor, edema, calor, limitação de movimento.
  • Envolvimento Pulmonar: Tosse crônica, dispneia, dor torácica, febre, perda de peso. Pode haver cavitação (mimetizando tuberculose) e hemoptise (rara).
  • Envolvimento Neurológico (Neuroesporotricose): Rara, mas grave. Cefaleia, febre, rigidez de nuca, vômitos, alterações do nível de consciência, convulsões, déficits neurológicos focais.
  • Formas Disseminadas: Febre prolongada, perda de peso, mal-estar, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia generalizada. Lesões cutâneas múltiplas e polimórficas.
  • Reações de Hipersensibilidade: Eritema nodoso, eritema multiforme, síndrome de Sweet.

Leia outros resumos de Medicina da Dra. Olyvia Spontan:

Resumo de Pneumonia: Epidemiologia, Fisiopatologia, Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Mais!

Resumo de Fibromialgia: Epidemiologia, Fisiopatologia, Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

Como diagnosticar a esporotricose?

Anamnese e exame clínico

  • História Epidemiológica: Ocupação e atividades de lazer, contato com animais (especialmente gatos), contato com solo e plantas, trauma cutâneo prévio.
  • História da Doença: Evolução das lesões, sintomas associados.
  • Antecedentes Pessoais: Comorbidades, imunossupressão.

Exame físico:

  • Exame Dermatológico: Inspeção e palpação das lesões (morfologia, número, distribuição, tamanho – procurar padrão linfangítico).
  • Pesquisa de Linfadenopatia: Palpação de cadeias linfonodais.
  • Exame de Mucosas: Oral, nasal, ocular.
  • Exame Sistêmico: Se suspeita de forma extracutânea (ausculta pulmonar, exame osteoarticular, neurológico).

Exames laboratoriais

  • Cultura micológica(padrão-ouro): isolamento do Sporothrix em meio de cultura, a partir de amostras da lesão, exsudato ou biopsia.
  • Exame microscópico direto: observação direta do agente a partir de amostras da lesão, exsudato ou biópsia. Baixa sensibilidade em humanos e alta sensibilidade em felinos.
  • Histopatologia: também tem baixa sensibilidade em humanos nas formas cutâneas.
  • PCR: útil em casos paucibacilares ou para identificação de espécie.
  • Sorologia: valor limitado, útil em formas disseminadas.

Métodos de imagem

Não necessários para formas cutâneas, mas importantes para avaliar formas extracutâneas:

  • Osteoarticular: Radiografias, TC, RM (erosões ósseas, sinovite, derrame articular).
  • Pulmonar: Radiografia, TC (infiltrados, nódulos, cavidades).
  • Neurológica: TC, RM (realce meníngeo, lesões parenquimatosas).

Diagnóstico diferencial

  • Cutânea/Linfocutânea: Leishmaniose tegumentar, tuberculose cutânea, micobacterioses atípicas, nocardiose.
  • Pulmonar: Tuberculose, histoplasmose, aspergiloma, neoplasias.
  • Osteoarticular: Artrite séptica, tuberculose articular, artrite reumatoide.
  • Neurológica: Meningite tuberculosa ou criptocócica, neurossífilis.

Tratamento 

Abordagens terapêuticas

  1. Farmacológica: Principal modalidade, com antifúngicos sistêmicos.
  2. Adjuvante/Local: Termoterapia, criocirurgia, eletrocirurgia.
  3. Cirúrgica: Raramente indicada como terapia primária, exceto em casos específicos.
  4. Suporte/manejo sintomático: Cuidados com lesões, manejo da dor, suporte nutricional.

Tratamento farmacológico

  • Itraconazol: primeira linha para casos cutâneos e extracutâneos. Não indicado para gestantes e hepatopatas. Crianças: dose por peso.
  • Iodeto de potássio: alternativa com boa resposta clínica e baixo custo, especialmente para locais de baixo recurso. Pode ser associado ao itraconazol em formas graves ou refratárias.
  • Terbinafina: opção para quando o itraconazol ou iodeto de potássio não são tolerados. Mais indicado em casos leves e em crianças > 2 anos.
  • Anfotericina B: para formas graves, disseminadas, neurológicas ou em imunocomprometidos. Pode ser usado em gestantes.
  • Fluconazol, posaconazol, isavuconazol, miltefosina: opções para casos refratários, algumas menos eficientes (uso off-label ou em pesquisa).

Manejo de suporte e sintomático

  • Cuidados locais com as lesões (higienização, curativos)
  • Analgesia, suporte nutricional, reabilitação fisioterápica se necessário

Complicações agudas e crônicas

  • Infecção bacteriana secundária das lesões cutâneas.
  • Formação de abscessos.
  • Cicatrizes (atróficas, hipertróficas, queloidianas), alterações de pigmentação.
  • Deformidades estéticas e funcionais (ex: perda de cartilagem nasal, perfuração septal).
  • Linfedema crônico do membro afetado.
  • Limitação funcional e anquilose articular (na forma osteoarticular).
  • Fibrose pulmonar e insuficiência respiratória crônica (na forma pulmonar).
  • Déficits neurológicos permanentes (na neuroesporotricose).
  • Impacto psicossocial (estigma, isolamento, ansiedade, depressão).
  • Recidiva da doença.
  • Morte: Rara, mas pode ocorrer em formas disseminadas graves, especialmente em imunocomprometidos ou com diagnóstico/tratamento tardio.

Conclusão

A esporotricose é hoje uma doença de grande relevância clínica e epidemiológica, especialmente no Brasil. O reconhecimento do padrão clássico e das formas atípicas, o diagnóstico laboratorial precoce e o manejo adequado são essenciais para evitar complicações e impedir a disseminação.

O controle efetivo da esporotricose exige atuação interdisciplinar e foco em Saúde Única, incluindo o tratamento dos animais e educação da população. Atualizações em terapêutica e vigilância seguem sendo prioridade para conter esta micose negligenciada.

Resumo técnico elaborado pela Dra. Olyvia Spontan:

Dra. Olyvian Spontan

Olyvia Spontan é médica formada pela Universidade Tiradentes (UniT) em 2022, com formação sanduíche na UPAEP (Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla – México) – ano de 2016.

Atua como médica reguladora e tem experiência em regulação de urgências e regulação de leitos. Além disso, é entusiasta da tecnologia, aliada à IA para redação de textos médicos, dos quais hoje é revisora.

Índice

Você também pode se interessar por:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O mundo da medicina No seu e-mail.

Acompanhe todas as novidades, dicas, notícias e curiosidades do mundo da medicina no seu email.

*Ao enviar seus dados, você concorda em receber comunicações da Melhores Escolas Médicas e nossos parceiros. Você pode cancelar a inscrição a qualquer momento. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.