Introdução
A fibromialgia (FM) é uma síndrome de dor crônica de alta relevância na prática clínica, desafiando médicos no diagnóstico e manejo. Caracteriza-se por dor musculoesquelética difusa, frequentemente acompanhada de fadiga, distúrbios do sono e alterações cognitivas.
Compreender a fibromialgia é crucial, pois afeta significativamente a qualidade de vida dos pacientes e demanda uma abordagem terapêutica multifacetada.
Este artigo oferece uma revisão objetiva sobre a fibromialgia, focando no diagnóstico e tratamento, essencial para estudantes de medicina e profissionais que buscam atualização.
O que é Fibromialgia?
Fibromialgia é uma síndrome clínica crônica caracterizada por dor musculoesquelética difusa, fadiga persistente, sono não reparador e distúrbios cognitivos.
Não é considerada doença inflamatória ou autoimune primária, e sim uma condição de sensibilização central, resultante de disfunção nos mecanismos do sistema nervoso central que modulam a dor.
A etiologia é multifatorial, envolvendo predisposição genética (alterações em genes que modulam neurotransmissores, canais iônicos, neuroplasticidade, entre outros) e fatores ambientais desencadeantes, como traumas físicos/emocionais, infecções, distúrbios do sono e estresse crônico.
Há formas adultas e juvenis, podendo se apresentar com diferentes intensidades e combinações sintomáticas.
Epidemiologia
A fibromialgia tem distribuição mundial, com prevalência estimada entre 2-3% da população adulta no Brasil e 2-8% globalmente. Os principais fatores de risco incluem:
- Sexo feminino (razão mulher:homen ~5-9:1)
- Idade entre 30 e 60 anos (mas pode ocorrer em qualquer faixa etária)
- Histórico familiar positivo
- Presença de doenças reumáticas concomitantes (AR, LES)
- Trauma físico ou emocional prévio
- Estresse crônico, ansiedade ou depressão
- Baixa escolaridade e sobrecarga psicossocial
Populações vulneráveis incluem mulheres, indivíduos com doença reumática, crianças (em síndrome juvenil) e população transgênero. Não há sazonalidade definida nem obrigatoriedade de notificação.
Fisiopatologia
Nos trajetos ascendentes do segundo neurônio motor, encontram-se duas categorias de receptores: os alfa-amino-3-hidroximetil-5-4-isoxazolpropiônico (AMPA), que permanecem ativos e são responsáveis pela transmissão sináptica e condução dos impulsos nervosos, e os receptores N-metil D-aspartato (NMDA), que ficam inativos devido ao bloqueio exercido pelo íon magnésio.
Durante condições patológicas como a fibromialgia (FM), desenvolve-se o processo de wind-up: concentrações elevadas de glutamato deslocam o íon magnésio, ativando os receptores NMDA e permitindo um intenso influxo de cálcio, facilitando a transmissão do impulso nervoso através desta via.
Neste cenário, as quinases dependentes de cálcio promovem a liberação da substância P, que na fibromialgia é observada em concentrações elevadas, gerando o processo de sensibilização central, que se caracteriza por sinapses mais eficazes e expansão da área dolorosa.
Estabelecem-se então a hiperalgesia, que é a resposta exagerada aos estímulos dolorosos, e a alodínia, situação em que estímulos normalmente não dolorosos passam a provocar dor.
Adicionalmente, o controle da dor torna-se deficiente, pois há redução na liberação de serotonina e norepinefrina no espaço sináptico (substâncias que inibem a dor), diminuição da ativação dos receptores opioides nas vias descendentes e redução da ativação dos interneurônios inibitórios (encarregados da liberação do neurotransmissor inibitório – GABA).
Verificou-se também hiperatividade do glutamato em regiões do sistema límbico, incluindo a ínsula e a amígdala, responsáveis pelo intenso componente emocional da dor nesses pacientes. Distúrbios do sono e alterações endócrinas também participam da fisiopatologia desta condição.
Quadro Clínico

O sintoma cardinal é a dor musculoesquelética crônica (≥3 meses) e difusa, afetando ambos os lados do corpo, acima e abaixo da cintura, e o esqueleto axial. A dor é frequentemente descrita como queimação, pontadas ou peso, e pode variar em intensidade e localização.
Manifestações Clínicas Comuns incluem:
- Fadiga persistente e intensa: Não aliviada pelo repouso, podendo ser tão incapacitante quanto a dor.
- Distúrbios do sono: Principalmente sono não reparador; os pacientes acordam cansados. Insônia inicial e de manutenção são frequentes.
- Sintomas cognitivos (“fibro fog”): Dificuldade de concentração, problemas de memória de curto prazo, lentificação do pensamento.
- Distúrbios de humor: Ansiedade e depressão são comorbidades comuns.
- Sintomas somáticos comuns: Cefaleia (tensional ou enxaqueca), parestesias (dormência, formigamento), rigidez matinal generalizada, síndrome do intestino irritável (em até 60% dos pacientes).
Manifestações de gravidade e/ou menos comuns:
- Hipersensibilidade sensorial: A luzes fortes, sons altos e odores intensos.
- Dor torácica não cardíaca: Costocondralgia.
- Sintomas geniturinários: Bexiga irritável, dismenorreia, vulvodinia.
- Sintomas Sicca: Olho seco e boca seca.
A apresentação pode variar, com alguns pacientes desenvolvendo dor localizada antes da generalização ou com predomínio de fadiga ou “fibro fog”.
Diagnóstico
O diagnóstico da fibromialgia é eminentemente clínico, baseado na anamnese e no exame físico, pois não existem marcadores laboratoriais ou de imagem específicos.
1.Anamnese: Avaliar a história de dor difusa crônica (≥3 meses). Detalhar início, localização, caráter, intensidade e fatores de piora/melhora da dor; investigar sintomas associados (fadiga, sono, cognição, humor); avaliar impacto funcional; histórico de tratamentos e comorbidades.: início, progressão, intensidade, localizações.
2.Utilizar os critérios do American College of Rheumatology (ACR), como os de 2016, que consideram o Índice de Dor Generalizada (IDG ou WPI) e a Escala de Gravidade dos Sintomas (EGS OU SSScale):
- Dor por tempo ≥ 3 meses
- Dor em pelo menos 4 de 5 regiões
- WPI ≥ 7 and SSS ≥ 5 and WPI 4-6 and SSS ≥ 9
⚠️ CUIDADO: Hoje o diagnóstico pode ser feito independentemente de outros diagnósticos, não é necessário descartar todas as outras condições que poderiam explicar os sintomas se os critérios acima forem atendidos.
Confira os critérios para avaliar as dores:
1. Índice de Dor Generalizada (IDG)
Na semana passada, onde você teve dor?(marque todas que se aplicam)
Região superior esquerda
- [ ] Mandíbula esquerda
- [ ] Cintura escapular esquerda
- [ ] Braço superior esquerdo
- [ ] Antebraço esquerdo
Região superior direita
- [ ] Mandíbula direita
- [ ] Cintura escapular direita
- [ ] Braço superior direito
- [ ] Antebraço direito
Região inferior esquerda
- [ ] Quadril esquerdo (nádegas/trocânter)
- [ ] Coxa esquerda
- [ ] Perna esquerda
Região inferior direita
- [ ] Quadril direito (nádegas/trocânter)
- [ ] Coxa direita
- [ ] Perna direita
Região axial
- [ ] Pescoço
- [ ] Parte superior das costas
- [ ] Parte inferior das costas
- [ ] Tórax
- [ ] Abdome
Total: ______ Escore IDG (some as caixas marcadas, 0-19)
Número de regiões marcadas:______
2. Escore de Gravidade dos Sintomas (EGS)
Para cada um dos seguintes sintomas, na semana passada, avalie:
Sintoma | 0 = Sem problema | 1 = Problema leve ou discreto, frequentemente leve ou intermitente | 2 = Problema moderado, considerável, frequentemente presente | 3 = Problema grave, generalizado, contínuo, perturbador da vida |
Fadiga | ||||
Acordar sem se sentir descansado | ||||
Sintomas cognitivos |
Na semana passada, você foi incomodado por algum dos seguintes?
Sintoma | 0 = Sem problema | 1 = Com problema |
Dores de cabeça | ||
Dor ou cãibras no abdome inferior | ||
Depressão |
Total EGS: _______ (0-12)
Tratamento
O manejo é multidisciplinar e individualizado.
Abordagens terapêuticas principais:
- Educação e automanejo: Esclarecer sobre a patologia, estabelecer metas alcançáveis e desenvolver mecanismos de adaptação e estratégias de enfrentamento.
- Exercício físico: Exercícios aeróbicos, de fortalecimento muscular e flexibilidade, implementados gradualmente sob orientação profissional. No início a prática de atividade física pode ser dolorosa, mas não deve ser desencorajada.
- Terapias psicológicas: Terapia cognitivo-comportamental (TCC), técnicas de relaxamento, mindfulness, entre outros, como modificadores de pensamentos e comportamentos disfuncionais relacionados à dor e ao estresse.
- Tratamento farmacológico:
- Inibidores duais (inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina [SNRI]): Duloxetina, Venlafaxina.
- Tricíclicos em baixas dose, administrados antes de dormir, melhoram o sono e a dor: Amitriptilina, Ciclobenzaprina.
- Anticonvulsivantes (alfa-2-delta ligantes) agonistas do GABA para quadros álgicos e de insônia importantes: Pregabalina, Gabapentina.
- Tramadol é o único opióide que inibe a recaptação de serotonina e norepinefrina e pode ser associado a analgésicos comuns para maior controle da dor.
- Outras terapias devem ser avaliadas para tratamento das comorbidades associadas.
- Manejo de suporte: Higiene do sono, fisioterapia, rotina adequada de repouso, suporte social.
- Populações especiais: Crianças, idosos, gestantes e pessoas com comorbidades exigem ajuste das intervenções e monitoramento próximo.
Complicações
As complicações da fibromialgia estão relacionadas ao impacto crônico dos sintomas:
- Redução significativa da qualidade de vida.
- Incapacidade funcional para atividades diárias e laborais.
- Transtornos psiquiátricos comórbidos (depressão, ansiedade).
- Isolamento social.
- Descondicionamento físico.
- Risco de uso inadequado de medicamentos, especialmente analgésicos.
- Problemas financeiros devido à incapacidade laboral e custos de tratamento.
Conclusão
A fibromialgia é uma condição crônica e complexa que exige uma abordagem diagnóstica clínica cuidadosa e um plano de tratamento individualizado e multidisciplinar. O reconhecimento da sensibilização central como mecanismo fisiopatológico chave direciona as terapias para a modulação do processamento da dor no SNC.
Para a prática clínica, é essencial validar os sintomas do paciente e implementar uma combinação de estratégias farmacológicas e não farmacológicas, com destaque para a educação do paciente e a promoção do autocuidado.
Resumo técnico elaborado pela Dra. Olyvia Spontan:

Olyvia Spontan é médica formada pela Universidade Tiradentes (UniT) em 2022, com formação sanduíche na UPAEP (Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla – México) – ano de 2016.
Atua como médica reguladora e temexperiência em regulação de urgências e regulação de leitos. Além disso, é entusiasta da tecnologia, aliada à IA para redação de textos médicos, dos quais hoje é revisora.