O Sistema Único de Saúde (SUS) vai muito além da oferta gratuita de atendimentos médicos. Desde a criação da Lei Orgânica da Saúde em 1990, o SUS tornou-se também um importante campo de ensino, formação médica, pesquisa e formação de profissionais da área da saúde, especialmente médicos.
Essa função educadora do sistema público está prevista na legislação brasileira e se concretiza, diariamente, em unidades básicas, hospitais e centros de especialidades espalhados por todo o país.
A Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado. No entanto, a Carta Magna também determina que o sistema de saúde público deve ser articulado com a formação profissional.
De forma complementar, a Lei nº 8.080/1990 – que regulamenta o SUS – estabelece em seu artigo 27 que o sistema deve “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”.
Na prática, isso significa que estudantes de medicina, assim como de enfermagem, fisioterapia, odontologia e diversas outras áreas, aprendem a profissão dentro do SUS. As unidades públicas de saúde tornam-se cenários de prática para o internato médico, os estágios supervisionados e, mais adiante, para os programas de residência médica, que também utilizam a rede SUS como estrutura básica de formação.
Universidades públicas e o vínculo com o SUS
Mais de 60% dos cursos de medicina ofertados por instituições públicas federais ou estaduais estão diretamente vinculados ao SUS. Nesses cursos, a grande maioria dos campos de prática está inserida em hospitais universitários, serviços municipais de atenção básica e redes de urgência e emergência integradas ao SUS.
Além disso, o Ministério da Educação (MEC) exige, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), que os cursos de medicina promovam desde o início a inserção dos alunos em atividades reais de cuidado, especialmente na atenção primária.
Ou seja, um estudante de medicina de uma universidade pública começa a acompanhar atendimentos no SUS logo nos primeiros semestres. Até o final do curso, o vínculo se intensifica, sobretudo durante os dois anos do internato, quando o aluno cumpre carga horária integral em plantões, ambulatórios, enfermarias e postos de saúde.
Hospitais universitários e a rede Ebserh
Boa parte da formação médica ocorre em hospitais universitários vinculados às instituições federais. Em 2011, o governo federal criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que atualmente administra 41 hospitais universitários federais. Essa rede recebe cerca de 20 milhões de atendimentos por ano e é responsável por parte significativa do ensino médico de graduação e pós-graduação.
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Esses hospitais funcionam como ambientes integrados de assistência, ensino e pesquisa.
Em cada um deles, estudantes participam de consultas supervisionadas, acompanhamentos em enfermaria, cirurgias, partos, exames e discussões clínicas. Os preceptores — profissionais experientes que atuam como tutores — garantem que o aprendizado ocorra de maneira ética e segura para os pacientes.
Formação médica no SUS e a capilaridade do SUS
Depois de formados, os médicos que optam por continuar sua formação por meio da residência médica também encontram no SUS o principal espaço de aprendizado. Segundo dados da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), o Brasil oferece mais de 30 mil vagas de residência médica por ano, sendo cerca de 90% delas ligadas diretamente a serviços da rede pública.
Programas em clínica médica, pediatria, cirurgia geral, medicina de família e comunidade, anestesiologia, ginecologia e obstetrícia, entre outros, são realizados quase exclusivamente em hospitais públicos, unidades de pronto-atendimento e centros de saúde da família. A residência é, por definição, um processo de ensino em serviço, o que torna a presença de uma rede de saúde estruturada essencial para garantir a qualidade da formação.
Em 2023, o Ministério da Saúde destinou R$1,2 bilhão para financiar bolsas de residência médica e multiprofissional. Esse investimento reforça a política de expansão e fortalecimento do ensino no SUS, especialmente em regiões com menor oferta de profissionais, como Norte e Nordeste.
Integração ensino-serviço-comunidade
Um dos pilares da formação médica dentro do SUS é o modelo da “integração ensino-serviço-comunidade”. Em vez de separar teoria e prática, essa abordagem propõe que os estudantes se envolvam com os problemas reais de saúde da população desde cedo, construindo soluções em conjunto com as equipes de saúde e os usuários do sistema.
Programas como o PET-Saúde, promovido pelo Ministério da Saúde em parceria com o MEC, incentivam essa articulação. Universidades e secretarias municipais trabalham juntas em projetos que aproximam alunos, professores, gestores e profissionais da rede básica.
Desafios e perspectivas
Apesar dos avanços, o ensino médico no SUS enfrenta desafios estruturais. A precariedade de algumas unidades de saúde, a sobrecarga dos serviços e a carência de preceptores qualificados dificultam a plena integração ensino-serviço. Além disso, a criação de novos cursos de medicina em instituições privadas nem sempre acompanha os critérios de qualidade exigidos pelas diretrizes nacionais, o que pode comprometer o vínculo formativo com o SUS.
Mesmo assim, o sistema de saúde público brasileiro continua sendo o principal espaço de formação médica no país. A atuação cotidiana de estudantes e residentes nas unidades do SUS reafirma o papel social da medicina e contribui diretamente para a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.
A formação médica no Brasil passa, necessariamente, pelo SUS. Do primeiro contato com a atenção básica ao acompanhamento de pacientes em hospitais de alta complexidade, os futuros médicos aprendem não apenas técnicas e protocolos, mas também o valor da saúde como direito universal.
Mais do que um campo de prática, o SUS é uma escola viva que forma gerações de profissionais comprometidos com a saúde pública brasileira.
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