Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, anunciou o cancelamento de 22 contratos federais voltados ao desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro (mRNA), um corte estimado em cerca de US$ 500 milhões. A medida gerou forte reação da comunidade científica, que alerta para o risco de atrasos significativos em pesquisas contra doenças como câncer, HIV, Zika e vírus sincicial respiratório, além de comprometer a preparação para futuras pandemias.
Segundo o governo dos Estados Unidos, a decisão integra uma estratégia para priorizar “plataformas mais seguras”, como vacinas de vírus inativado, tecnologia tradicional que, para muitos especialistas, já não acompanha a velocidade e a eficácia das soluções baseadas em mRNA.
Trump defende retorno às vacinas de vírus inativado
As vacinas de vírus inativado são produzidas a partir do próprio vírus, cultivado em laboratório e posteriormente “neutralizado” por processos químicos ou físicos. Embora essa técnica, utilizada em imunizantes como o da poliomielite, apresente vantagens como custo mais baixo e facilidade de armazenamento, ela costuma gerar resposta imunológica menos robusta e exigir doses de reforço com maior frequência.
Já a tecnologia de vacinas de mRNA representa um marco inovador. Nesse modelo, não há presença do vírus, mas sim uma sequência de RNA que orienta o organismo a produzir uma proteína semelhante à do patógeno, ativando as defesas do sistema imunológico.
“É como entregar ao corpo um bilhete com a receita de como combater o inimigo, sem expor a pessoa ao risco de infecção”, explica a infectologista Luana Araújo.
Além de mais eficazes, essas vacinas são consideradas mais seguras para grupos vulneráveis e ainda permitem personalização, abrindo possibilidades para aplicações além das doenças infecciosas, como o tratamento de certos tipos de câncer.
“Com a tecnologia mRNA, conseguimos desenvolver vacinas terapêuticas personalizadas. Isso seria impensável com vírus inativado”, afirma Fernando de Moura, oncologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e integrante do Instituto Vencer o Câncer.
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Papel decisivo das vacinas mRNA na pandemia de covid-19
Durante a crise sanitária provocada pela covid-19, imunizantes de mRNA, como os produzidos pela Pfizer e Moderna, garantiram resposta rápida e eficiente, sendo desenvolvidos em tempo recorde, apresentando alta eficácia e contribuindo significativamente para a redução de internações e mortes.
“Saímos da tragédia de 2020 por causa da vacina. E ela foi possível graças à tecnologia mRNA”, reforça Moura.
Apesar desse histórico, o governo Trump mantém argumentos sobre supostos riscos, posicionamento que, segundo especialistas, reflete alinhamento político com o movimento antivacina, sem respaldo em evidências científicas.
Pesquisas de vacinas contra câncer em risco
O corte ameaça diretamente um dos campos mais promissores da medicina: as vacinas terapêuticas contra o câncer. De acordo com Stephen Stefani, oncologista da Oncoclínicas e membro da Americas Health Foundation, há mais de 120 ensaios clínicos em andamento com uso de mRNA para tratar tumores como:
- Melanoma
- Câncer de pulmão
- Glioblastoma
- Câncer de próstata
- Câncer de pâncreas
Ao contrário dos imunizantes preventivos, essas vacinas são aplicadas após o diagnóstico, integrando o tratamento e treinando o sistema imunológico para atacar mutações específicas do tumor de cada paciente.

“Muitos pacientes que já não respondem aos tratamentos convencionais veem nessas vacinas a última esperança. Se esses estudos forem interrompidos, o impacto será devastador”, alerta Moura.
Consequências globais e oportunidade para outros países
A interrupção do financiamento nos EUA pode abrir espaço para que países como China, Índia e Brasil fortaleçam suas próprias plataformas de mRNA e impulsionem a indústria local de biotecnologia. No entanto, essa transição demanda tempo e infraestrutura.
“A decisão enfraquece a ciência global. Ao mesmo tempo, é uma oportunidade para que outras nações assumam protagonismo e invistam nessa tecnologia”, avalia Jean Gorinchteyn.
Para Luana Araújo, a medida simboliza uma “aliança entre ignorância e ideologia”, que rejeita avanços científicos consolidados e coloca em risco a saúde pública.
“É uma decisão criminosa do ponto de vista sanitário. Nega os dados, o histórico da pandemia e o futuro das descobertas científicas”, critica.
Risco de avanço do negacionismo e da hesitação vacinal
Outro receio dos especialistas é que a medida alimente o movimento antivacina, já em expansão nos Estados Unidos nos últimos anos.
“Quando a hesitação parte de um líder de Estado, o impacto é muito maior. Isso gera medo, insegurança e afasta investidores”, afirma Stefani.
As alegações do governo de que vacinas mRNA seriam “instáveis” ou “inseguras” foram repetidamente refutadas por órgãos como a FDA, a OMS e por estudos revisados por pares.
“Não há nenhuma comprovação científica de que essas vacinas tenham causado doenças graves. Isso é fake news”, reitera Moura.
Próximos passos e incertezas
Ainda não está definido se os ensaios atuais serão imediatamente interrompidos ou se apenas novos projetos serão afetados. O risco, entretanto, preocupa.
“Se um paciente está com a doença controlada e o centro de pesquisa perde o financiamento, o tratamento pode ser suspenso”, alerta Moura.
“Vamos levar o dobro do tempo para alcançar resultados que estavam próximos. E o sofrimento adicional dos pacientes estará nas costas de quem tomou essa decisão”, conclui Luana Araújo.
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