O Ministério da Educação anunciou, mais uma vez, o adiamento do edital de chamamento público para mantenedoras interessadas em ofertar cursos de Medicina. A mudança, divulgada em 10 de outubro, prorrogou por 120 dias o prazo de execução do Edital nº 1/2023 – e, com ele, prolongou uma moratória iniciada em 2018. Somadas, já são mais de sete anos de paralisação da política pública de expansão da formação médica, eixo essencial do programa Mais Médicos.
Segundo nota oficial, a decisão se deve ao “crescimento inesperado” da oferta de vagas em cursos judicializados. O texto afirma que “a conclusão desses processos resultou na criação de 4.400 novas vagas em cursos de Medicina, alterando substancialmente o cenário que havia fundamentado a publicação do Edital nº 1/2023”.
Números do MEC não fecham
A justificativa, no entanto, não resiste a uma leitura atenta. O próprio documento técnico que embasou a suspensão do edital relata que, desde 2018, foram “recebidas mais de 360 liminares judiciais contra a União”, das quais apenas “7,26% dos pedidos protocolados” teriam sido deferidos entre 2023 e 2025. Isso equivaleria a cerca de 26 novos cursos – e, mesmo considerando o teto de 60 vagas (imposto de forma controversa), o total não chegaria a 1.600 vagas.
Como, então, o MEC chega ao número de 4.400? Mesmo somando as 1.199 vagas criadas por aumento em cursos já existentes, o cálculo permanece inconsistente. Os números mencionados na nota não têm explicação clara e tampouco mostram ligação direta com o edital suspenso.
Além disso, o argumento do “crescimento inesperado” soa pouco razoável. O parecer que fundamentou o chamamento público também projetava a criação de 10 mil novas vagas, sendo 5.700 pelo edital e 4.300 distribuídas entre novos cursos e ampliações em instituições federais (Nota Técnica Conjunta nº 3/2023/DPR/SERES/SERES).
Em outras palavras, os números divulgados agora não representam surpresa alguma. São próximos do planejamento original do próprio MEC. Se houve impacto, foi apenas na distribuição das vagas entre instituições públicas e privadas – algo que poderia ser ajustado administrativamente, sem travar toda a política.
Outro aspecto chama atenção: mais de dez regiões de saúde aparentemente ficaram sem propostas no chamamento. Isso significa que cerca de 600 vagas poderiam ser reaproveitadas em futuras expansões, inclusive por universidades públicas, sem prejuízo ao planejamento nacional.
Mesmo que a totalidade das 10 mil vagas previstas fosse efetivada, o impacto seria limitado. A Nota Técnica Conjunta nº 3/2023 admite que “a abertura de aproximadamente 10.000 vagas adicionais seria suficiente para promover a convergência para a média da OCDE em 2033”, mas apresenta também um cenário alternativo: mesmo com expansão superior a essa meta, o Brasil continuaria abaixo de países como Grécia e Espanha. Ou seja, não há motivo técnico para alarde.
Por que suspender o edital?
Diante disso, resta a pergunta essencial: por que o Edital nº 1/2023 foi suspenso? A justificativa de que seriam necessários “novos estudos” ou “análises de impacto” soa frágil. Os cursos judicializados e seus efeitos constam dos próprios relatórios do MEC desde 2023.
O fato é que os argumentos usados agora são idênticos aos que sustentaram a moratória de 2018 e a revogação da portaria de 2022: indefinição, reavaliações, promessas de revisão. Tudo isso traduz a mesma dificuldade estrutural – um Estado que estuda demais e executa de menos.
Se o MEC fosse avaliado em uma disciplina de planejamento, sua nota não seria das melhores. A cada adiamento, o país se distancia da meta de reduzir desigualdades regionais e de formar médicos onde mais se precisa deles. A política do Mais Médicos nasceu para enfrentar esse desequilíbrio, mas parece ter sido aprisionada pela própria estrutura que deveria fazê-la funcionar.
Às vésperas da retomada do julgamento no STF, esse cenário pode, inclusive, ser informado à Corte. A moratória já foi apontada nos votos como “negação da política pública”, e a nova suspensão segue a mesma lógica, mas com uma engenhosidade curiosa: o MEC transforma a modulação da ADC nº 81, concebida para superar cinco anos de paralisação, em argumento para travar a expansão dos cursos. É, no fundo, uma revanche burocrática disfarçada de prudência — e o país segue acumulando sete anos de moratória e contando.
Conheça o colunista:

Edgar Jacobs é advogado e consultor especializado em Direito Educacional, com mais de 30 anos de atuação na advocacia. Doutor e mestre em Direito, é professor adjunto da PUCMINAS, pesquisador da UNIFENAS e docente do MBA em Administração Acadêmica e Universitária. Com trajetória consolidada na área jurídica e acadêmica, Jacobs dedica-se à formação de novos profissionais e à produção de conhecimento sobre os desafios do ensino superior no Brasil. Autor de livros e artigos de referência, é membro de comissões da OAB/MG e fundador de um escritório em Belo Horizonte voltado exclusivamente à consultoria e assessoria educacional.