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Quais podem ser as consequências da nova moratória?

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A suspensão no Edital nº 1/2023 do MEC afeta a abertura de cursos de Medicina e pode impactar a expansão de profissionais no país.

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A suspensão do edital nº 1/2023, que autoriza a abertura de novos cursos de medicina, reabre dúvidas sobre a política de formação médica e cria insegurança entre as instituições participantes.

Diversas instituições investiram tempo e recursos para participar do chamamento público destinado à abertura de cursos de Medicina (Edital nº 1/2023). Após a divulgação dos resultados preliminares, já havia, inclusive, uma perspectiva clara de êxito para algumas mantenedoras – em certos municípios, eram as únicas proponentes, o que tornava o desfecho favorável praticamente previsível.

A decisão do MEC de suspender o edital por 120 dias trouxe incerteza e abriu espaço para especulações, inclusive sobre um possível cancelamento do processo. O principal argumento apresentado é a necessidade de reavaliar o impacto de novas vagas de Medicina decorrentes de decisões judiciais. 

Ocorre, porém, que o cenário atual é muito mais delimitado e previsível do que aquele existente em abril de 2023, quando o edital foi lançado: o Supremo Tribunal Federal já decidiu a ADC nº 81, centenas de processos foram analisados e a maior parte das portarias autorizativas foi publicada. Não parece razoável, portanto, tratar agora como um “imprevisto” uma situação que, em 2025, está mais clara e controlada do que nunca.

Além disso, o Ministério já detinha todas as informações sobre as instituições que estavam prestes a ser contempladas, aquelas desclassificadas e o estágio de cada proposta. O contexto do edital, portanto, estava consolidado. Ainda que apresentada como medida técnica, a suspensão produz efeitos práticos significativos: interrompe expectativas legítimas, posterga investimentos e compromete a previsibilidade regulatória de uma política pública essencial para o país.

Porque, então, suspender por 4 meses?

Segundo a Nota Técnica nº 24/2025, o MEC pretende utilizar esse período de 120 dias para uma série de providências internas. Entre elas:

  1. concluir os processos ainda em trâmite na SERES;
  2. aguardar a conclusão do julgamento dos embargos de declaração na ADC nº 81;
  3. acompanhar a tramitação e julgamento dos recursos contra as medidas judiciais que incidiram sobre as decisões já proferidas pela SERES ;
  4. analisar o impacto da expansão recente dos cursos regulados pelos sistemas estaduais e distrital;
  5. atualizar, junto ao Ministério da Saúde, os dados sobre o comprometimento dos campos de prática nas regiões de saúde contempladas pelo Edital nº 01/2023.


Tudo isso teria como finalidade, em tese, proceder a “revisão das metas de expansão e distribuição das vagas de medicina do Programa Mais Médicos, tendo em vista a significativa alteração do contexto da oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica, desde o lançamento do Edital em 2023”.

Entre os objetivos listados pelo MEC, alguns são exequíveis dentro do prazo de 120 dias, como a conclusão dos processos ainda em trâmite na SERES (item a), o aguardo do julgamento dos embargos de declaração na ADC nº 81 (item b) e a análise do impacto da expansão nos sistemas estaduais e distrital (item d). Essas metas decorrem, em grande parte, de rotinas administrativas ou de providências já em curso. Ainda assim, há incertezas: um novo pedido de vista no STF seria suficiente para inviabilizar o cronograma projetado.

Por outro lado, metas como a revisão conjunta dos dados sobre campos de prática com o Ministério da Saúde (item e) e o acompanhamento dos recursos contra medidas judiciais que incidiram sobre decisões da SERES (item c) dificilmente poderão ser cumpridas em apenas quatro meses. 

A primeira depende de cooperação técnica entre órgãos, validação de dados locais e, muitas vezes, de verificação in loco das condições das redes regionais do SUS. E uma eventual correção geraria dezenas ou até de ajustes em relação aos cursos que já foram aprovados ou indeferidos.

A segunda, francamente, é uma meta que beira o acinte.

Não existem “recursos do MEC aguardando decisão judicial”, como sugere a Nota Técnica, mas direitos sendo discutidos no Poder Judiciário. A forma como o documento oficial aborda o tema revela um viés evidente: em nenhum momento aparece a palavra “direito” e tampouco se admite que parte dessas ações possa ter origem em atos ilegais da própria Administração.

Um documento verdadeiramente técnico deveria reconhecer que boa parte dos litígios decorre de problemas administrativos. Basta lembrar que a versão original da Portaria nº 397/2023 previa o indeferimento sumário de processos, o que resultou em dezenas de cancelamentos de visitas in loco e ações judiciais.

Em dezembro do mesmo ano, quando o STF já sinalizava a ilegalidade da norma, o próprio MEC revogou a regra e alterou o texto. Seria isso um “imprevisto”? Ou um erro administrativo – talvez algo mais grave?

Diante desse contexto, “acompanhar a tramitação e julgamento dos recursos contra as medidas judiciais” soa como um eufemismo de mau gosto. Além de deslocar a responsabilidade, projeta uma expectativa incompatível com o prazo de 120 dias – especialmente considerando o recesso judicial –, tanto sob o ponto de vista jurídico quanto administrativo.

E o que dizer do objetivo final?

Como consta na própria Nota Técnica, o propósito final dessas medidas seria revisar as metas de expansão e distribuição das vagas de Medicina, em razão de uma suposta “alteração do contexto”.

Mas o que se entende, afinal, por “revisão”? Reduzir o número total de cursos previstos? Diminuir as vagas? Excluir cidades cuja necessidade social já foi formalmente reconhecida? É difícil conceber uma revisão que não termine gerando mais insegurança e conflito do que solução.

Como já destacamos em artigos anteriores, a meta de ampliação de 10.000 vagas – que engloba tanto o edital de chamamento quanto outras formas de expansão – não foi comprometida por nenhuma das circunstâncias apontadas na Nota Técnica. Pelo contrário: a suspensão das 5.700 vagas previstas no edital impacta diretamente o cumprimento da meta decenal do Programa Mais Médicos.

Nesse cenário, é difícil compreender a razão da pausa. A não ser que se cogite o pior: o cancelamento do chamamento público.

A pausa do edital afeta diretamente a expansão de vagas de Medicina e a distribuição de médicos nas regiões que mais precisam, meta central do Programa Mais Médicos. Imagem: Marcelo Camargo.

Quais podem ser as consequências?

Um atraso prolongado – ou, pior, um eventual cancelamento – representaria um retrocesso social grave, passível de análise tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo TCU.

No RE 684.612, o Supremo Tribunal Federal fixou diretrizes para a atuação judicial sobre políticas públicas voltadas à efetivação de direitos fundamentais. No caso, que coincidentemente tratava do suprimento de profissionais de saúde, duas teses são especialmente aplicáveis aqui:

“1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.

2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado” .

Diante de um edital reiteradamente adiado e agora suspenso, um comando judicial determinando a continuidade imediata do chamamento, com a análise de eventuais impactos das vagas sendo feita na fase de autorização de cada curso – etapa posterior ao processo seletivo –, seria adequado e compatível com a jurisprudência do STF.

O MEC, inclusive, poderia apresentar um plano de distribuição de vagas ajustado à realidade atual e coerente com os cursos já validados sob a ADC nº 81 – planejamento que, aliás, já existe e apenas necessita de atualização.

Por outro lado, o Tribunal de Contas da União já foi explícito sobre situações semelhantes:

“1. A licitação somente pode ser revogada por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado. 2. A alteração do juízo de conveniência da Administração não constitui fato superveniente para amparar a revogação da licitação.” (Acórdão nº 955/2011 – Plenário, TCU)

O mesmo raciocínio deve valer para a suspensão de um chamamento público: não basta uma alegação genérica de conveniência administrativa. E, caso o MEC cogite revogar o edital, o alerta do TCU torna-se ainda mais pertinente.

O Programa Mais Médicos não é uma iniciativa discricionária: é uma política pública de caráter legal, prevista na Lei nº 12.871/2013. Negar a continuidade do chamamento público não é um simples ato de gestão – é, nas palavras do próprio STF, uma negação da política pública em si.

No fim das contas, a suspensão do edital nº 1/2023 parece menos uma pausa estratégica e mais um gesto de indecisão. O argumento da “revisão técnica” soa insuficiente diante de um processo que já passou por múltiplas etapas, decisões judiciais e ajustes normativos.

A formação de médicos é um tema de política pública, não de conveniência. Cada mês perdido significa menos profissionais chegando onde faltam médicos, menos residências abertas e menos impacto social.

Conheça o colunista:

Edgar Jacobs é advogado e consultor especializado em Direito Educacional, com mais de 30 anos de atuação na advocacia. Doutor e mestre em Direito, é professor adjunto da PUCMINAS, pesquisador da UNIFENAS e docente do MBA em Administração Acadêmica e Universitária.

Com trajetória consolidada na área jurídica e acadêmica, Jacobs dedica-se à formação de novos profissionais e à produção de conhecimento sobre os desafios do ensino superior no Brasil. Autor de livros e artigos de referência, é membro de comissões da OAB/MG e fundador de um escritório em Belo Horizonte voltado exclusivamente à consultoria e assessoria educacional.

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